Segue resenha de Leo Mano sobre a 2a Etapa da Copa Brasil de
Xadrez Para Deficientes Visuais que foi realizada nos dias 27, 28 e 29 de julho
de 2012 no Rio de Janeiro.
A Copa é promovida pela
Associação Brasileira de Xadrez Para Deficientes Visuais (www.abxdv.org.br) que
tem como atual presidente o professor Waldin de Lima e conta ainda com o AI
Antonio Bento como Diretor Técnico.
Professor Waldin de Lima
Waldin é o primeiro
personagem desta resenha: Formado em pedagogia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (1979), desenvolve trabalhos de promoção e integração social das
pessoas cegas desde 1967. Escritor, publicou o livro de poemas “Gota de
Orvalho” (Editora SAGRA, 1989). Foi também distinguido pela Câmara Municipal de
Vereadores, 1997, com o título: “Cidadão Emérito de Porto Alegre”, pelos
relevantes serviços prestados à sociedade.
Conversamos bastante entre uma
rodada e outra quando ele, inclusive, declamou um de seus poemas dedicados ao
xadrez: "Soneto Enxadrístico" que tive a felicidade de gravar ( ouçam aqui ) e falou-me sobre um de seus romances que conta a
vida de Ronaldo, um personagem que tem aversão aos cegos e, por uma ironia da
vida, vem a se tornar também cego! O homem acaba por odiar a si mesmo e o desfecho
da história é surpreendente e dramático. Acredito que ele irá fornecer (de bom
grado) uma cópia do romance a todos que pedirem ( waldindelima@gmail.com ). O
romance se chama "Luzes do Arrebol".
Instituto Benjamin Constant no bairro da Urca
O torneio foi realizado
nas dependências do Instituto Benjamin Constant. O prédio do Instituto é o
nosso segundo personagem: Inaugurado em 1890, trata-se de um complexo
finalizado em 1944 cobrindo uma vasta área construida.
Os prédios, interligados por
corredores largos e longos, pé direito de 5 metros, formam um imenso quadrado
que protege um amplo pátio interno com espaços gramados e passarelas
idealizados para receber as centenas de alunos durante os intervalos das aulas.
Durante as férias
escolares, as alas desertas nos fazem sentir no interior de um mosteiro
medieval (um contraste com a faxada externa que nos remete aos palacetes
romanos dos tempos imperiais). Todo o espaço é mantido muito limpo e funcional
mas se percebe que o prédio grita por manutenção (principalmente pintura).
A cantina foi mantida em
funcionamento exclusivamente para atender aos competidores. O amplo espaço de
jogo foi o hall da entrada principal do prédio. Completando a infraestrutura do
evento, o instituto também forneceu alojamentos masculino e feminino. Seria
espetacular ter estas facilidades para outros torneios...
Mesmo assim, o RJ não se fez
representar entre os 42 competidores desta etapa. Uma questão que, certamente,
deverá ser enfrentada pelos cariocas.
Ivo Klann (Clube de Xadrez de Itajaí-SC)
Ivo Klann, representante do Clube
de Xadrez de Itajaí-SC, me contava de sua vida de atleta. Praticava pesca
submarina e outros esportes até que um acidente de moto o deixou 40 dias em
coma num hospital. Os ferimentos graves deixaram sequelas: além de cicatrizes e
da perda da visão, teve as funções da memória prejudicadas. Nosso terceiro
personagem conta sua história sem nenhum sinal de revolta ou melancolia. Ele
enfatiza a corajem e a persistência. Ele também reconhece e agradece os
benefícios do xadrez que, combinado com medicamentos, lhe permitiram uma grande
recuperação ao ponto de lhe proporcionar um alto grau de independência.
Roberto Carlos Hengles
Mas temos também os
jogadores que estão ali com o objetivo prioritário de vencer. Neste grupo posso
destacar o melhor rankeado da categoria, Roberto Carlos Hengles (SP) que também
participa em torneios para não deficientes tendo conquistado ótimos resultados.
Eu não o conhecia pessoalmente mas pude testemunhar seu censo de humor afiado.
Seu espírito de luta também é evidente mas não foi suficiente para vencer a
etapa conquistada pelos representantes de Belo Horizonte, Jaderson Lucio Pontes
(absoluto) e Marcia Maria Lopes (Feminino).
Márcia Maria Lopes e Jaderson Lucio Pontes
O torneio exige algumas
adequações: as mesas devem comportar dois tabuleiros (e não apenas um como nos
torneios tradicionais). Cada jogador tem seu próprio tabuleiro no qual podem
tatear as peças como forma de refrescar a memória. Estes tabuleiros também
auxiliam o árbitro no acompanhamento da partida. Os lances são
"cantados" pelos jogadores para que o adversário possa executar o
mesmo lance em seu próprio tabuleiro. Por vezes, em função de algum engano, os
dois tabuleiros perdem o sincronismo e apresentam posições diferentes. Nestes
casos o árbitro deve intervir e reconstituir a partida até o ponto em que ambos
os tabuleiros fiquem idênticos. Na prática, em 90% dos casos, os próprios
jogadores (depois de alertados pelo árbitro) percebem o engano e ajustam seus
tabuleiros sem a necessidade de uma reconstituição formal.
Os lances são
registrados em gravadores de voz. Alguns até conseguem usar papel e caneta e
outros também usam o método Braille. Exames médicos conseguem determinar o grau
de deficiência visual de cada jogador. Podem participar jogadores com até 20%
da visão. A competição contou com 6 relógios digitais próprios para deficientes
visuais. Eles possuem fones de ouvido para ambos os jogadores permitindo-lhes
acompanhar a evolução do tempo. Nas demais mesas foram usados relógios
mecânicos comuns. Nestes casos, sempre que solicitado, o árbitro
"canta" o tempo de cada jogador.
Em função desta
necessidade de comunicação oral entre os jogadores e também os árbitros, é
necessário um distanciamento entre as mesas de jogo (cerca de 2 metros) para
evitar confusão na comunicação. Isso exige salões com dimensões maiores do que
estamos acostumados.
Também não posso deixar
de falar da Selma Regina, Secretária Geral da ABXDV, que se desdobrou em 10
para a realização do evento. São muitas as responsabilidades e a ansiedade para
que tudo funcione e isso não foi suficiente para lhe tirar o sorriso e o bom
humor. Doceira de mão cheia, nos presenteava com um delicioso Pão de Mel
recheado com creme e decorado com um peão de chocolate. Nunca comi tantos peões
em minha vida (e nenhum era envenenado como em algumas variantes da Defesa
Francesa)!
Por fim, agradeço ao Paulo Cesar
Levy por me convidar para participar como árbitro auxiliar. Foi realmente uma
experiência muito positiva dentro e fora do xadrez.
Muitas fotos em https://picasaweb.google.com/108745391223377128917/ABXDV
Resultados em http://www.xadrez.esfinge.org/
AR Leo Mano
Leonardo Mano é enxadrista e árbitro do Rio de Janeiro.
Também é emérito problemista e solucionista.