terça-feira, 31 de julho de 2012

1269- COPA BRASIL DE XADREZ PARA DEFICIENTES VISUAIS


Segue resenha de Leo Mano sobre a 2a Etapa da Copa Brasil de Xadrez Para Deficientes Visuais que foi realizada nos dias 27, 28 e 29 de julho de 2012 no Rio de Janeiro.

A Copa é promovida pela Associação Brasileira de Xadrez Para Deficientes Visuais (www.abxdv.org.br) que tem como atual presidente o professor Waldin de Lima e conta ainda com o AI Antonio Bento como Diretor Técnico.

Professor Waldin de Lima

Waldin é o primeiro personagem desta resenha: Formado em pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1979), desenvolve trabalhos de promoção e integração social das pessoas cegas desde 1967. Escritor, publicou o livro de poemas “Gota de Orvalho” (Editora SAGRA, 1989). Foi também distinguido pela Câmara Municipal de Vereadores, 1997, com o título: “Cidadão Emérito de Porto Alegre”, pelos relevantes serviços prestados à sociedade.

Conversamos bastante entre uma rodada e outra quando ele, inclusive, declamou um de seus poemas dedicados ao xadrez: "Soneto Enxadrístico" que tive a felicidade de gravar ( ouçam aqui ) e falou-me sobre um de seus romances que conta a vida de Ronaldo, um personagem que tem aversão aos cegos e, por uma ironia da vida, vem a se tornar também cego! O homem acaba por odiar a si mesmo e o desfecho da história é surpreendente e dramático. Acredito que ele irá fornecer (de bom grado) uma cópia do romance a todos que pedirem ( waldindelima@gmail.com ). O romance se chama "Luzes do Arrebol".

Instituto Benjamin Constant no bairro da Urca

O torneio foi realizado nas dependências do Instituto Benjamin Constant. O prédio do Instituto é o nosso segundo personagem: Inaugurado em 1890, trata-se de um complexo finalizado em 1944 cobrindo uma vasta área construida.

 


Os prédios, interligados por corredores largos e longos, pé direito de 5 metros, formam um imenso quadrado que protege um amplo pátio interno com espaços gramados e passarelas idealizados para receber as centenas de alunos durante os intervalos das aulas.

Durante as férias escolares, as alas desertas nos fazem sentir no interior de um mosteiro medieval (um contraste com a faxada externa que nos remete aos palacetes romanos dos tempos imperiais). Todo o espaço é mantido muito limpo e funcional mas se percebe que o prédio grita por manutenção (principalmente pintura).

A cantina foi mantida em funcionamento exclusivamente para atender aos competidores. O amplo espaço de jogo foi o hall da entrada principal do prédio. Completando a infraestrutura do evento, o instituto também forneceu alojamentos masculino e feminino. Seria espetacular ter estas facilidades para outros torneios...

Mesmo assim, o RJ não se fez representar entre os 42 competidores desta etapa. Uma questão que, certamente, deverá ser enfrentada pelos cariocas.

Ivo Klann (Clube de Xadrez de Itajaí-SC)

          Ivo Klann, representante do Clube de Xadrez de Itajaí-SC, me contava de sua vida de atleta. Praticava pesca submarina e outros esportes até que um acidente de moto o deixou 40 dias em coma num hospital. Os ferimentos graves deixaram sequelas: além de cicatrizes e da perda da visão, teve as funções da memória prejudicadas. Nosso terceiro personagem conta sua história sem nenhum sinal de revolta ou melancolia. Ele enfatiza a corajem e a persistência. Ele também reconhece e agradece os benefícios do xadrez que, combinado com medicamentos, lhe permitiram uma grande recuperação ao ponto de lhe proporcionar um alto grau de independência. 

Roberto Carlos Hengles

Mas temos também os jogadores que estão ali com o objetivo prioritário de vencer. Neste grupo posso destacar o melhor rankeado da categoria, Roberto Carlos Hengles (SP) que também participa em torneios para não deficientes tendo conquistado ótimos resultados. Eu não o conhecia pessoalmente mas pude testemunhar seu censo de humor afiado. Seu espírito de luta também é evidente mas não foi suficiente para vencer a etapa conquistada pelos representantes de Belo Horizonte, Jaderson Lucio Pontes (absoluto) e Marcia Maria Lopes (Feminino).

Márcia Maria Lopes e Jaderson Lucio Pontes

O torneio exige algumas adequações: as mesas devem comportar dois tabuleiros (e não apenas um como nos torneios tradicionais). Cada jogador tem seu próprio tabuleiro no qual podem tatear as peças como forma de refrescar a memória. Estes tabuleiros também auxiliam o árbitro no acompanhamento da partida. Os lances são "cantados" pelos jogadores para que o adversário possa executar o mesmo lance em seu próprio tabuleiro. Por vezes, em função de algum engano, os dois tabuleiros perdem o sincronismo e apresentam posições diferentes. Nestes casos o árbitro deve intervir e reconstituir a partida até o ponto em que ambos os tabuleiros fiquem idênticos. Na prática, em 90% dos casos, os próprios jogadores (depois de alertados pelo árbitro) percebem o engano e ajustam seus tabuleiros sem a necessidade de uma reconstituição formal.


Os lances são registrados em gravadores de voz. Alguns até conseguem usar papel e caneta e outros também usam o método Braille. Exames médicos conseguem determinar o grau de deficiência visual de cada jogador. Podem participar jogadores com até 20% da visão. A competição contou com 6 relógios digitais próprios para deficientes visuais. Eles possuem fones de ouvido para ambos os jogadores permitindo-lhes acompanhar a evolução do tempo. Nas demais mesas foram usados relógios mecânicos comuns. Nestes casos, sempre que solicitado, o árbitro "canta" o tempo de cada jogador.



Em função desta necessidade de comunicação oral entre os jogadores e também os árbitros, é necessário um distanciamento entre as mesas de jogo (cerca de 2 metros) para evitar confusão na comunicação. Isso exige salões com dimensões maiores do que estamos acostumados.


Também não posso deixar de falar da Selma Regina, Secretária Geral da ABXDV, que se desdobrou em 10 para a realização do evento. São muitas as responsabilidades e a ansiedade para que tudo funcione e isso não foi suficiente para lhe tirar o sorriso e o bom humor. Doceira de mão cheia, nos presenteava com um delicioso Pão de Mel recheado com creme e decorado com um peão de chocolate. Nunca comi tantos peões em minha vida (e nenhum era envenenado como em algumas variantes da Defesa Francesa)!

Por fim, agradeço ao Paulo Cesar Levy por me convidar para participar como árbitro auxiliar. Foi realmente uma experiência muito positiva dentro e fora do xadrez.



AR Leo Mano

Leonardo Mano é enxadrista e árbitro do Rio de Janeiro.
Também é emérito problemista e solucionista.

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