GM (FIDE e ICCF) RAFAEL LEITÃO
O GM FIDE Rafael Leitão entrou para um seleto e reduzido grupo de enxadristas: aqueles que têm o título de GM tanto pela FIDE como pela ICCF (International Correspondence Chess Federation).
Vejam aqui no site da ICCF.
Parabéns ao gente boa Rafpig!
Vejam AQUI uma entrevista do Rafael para o CXEB (Clube de Xadrez Epistolar Brasileiro).
E vejam abaixo uma entrevista dada para este blog em 2008
56- ENTREVISTA COM O GM RAFAEL LEITÃO
O atual nº 3 do Brasil (rating FIDE de 2590), GM Rafael Dualibe
Leitão, concedeu uma entrevista, por mail, para este blog. Espero que
meus estimados leitores apreciem este bate-papo!
Maia: Como
foi seu processo de estudo do jogo no início de sua carreira em São Luís
do Maranhão e depois com o GM Gilberto Milos em São Paulo? Quais foram
os conteúdos assimilados e os métodos utilizados de estudo e
treinamento? Quais foram seus pontos fortes e fracos?
Leitão: Quando morava em São Luís treinava geralmente sozinho ou com meu
pai,
que apesar de não ser um enxadrista forte, sabia muito bem quais as
prioridades no treinamento, além de me ajudar na leitura dos livros em
inglês. A prioridade do meu treinamento nessa época - e que persistiu
por muito tempo - era o cálculo de variantes. Inicialmente, até atingir
certo nível, resolvia principalmente combinações de um livrinho chamado
"Test Your Chess IQ" e outros exercícios semelhantes. Graças a esse
esforço, obtive rapidamente uma visão tática muito boa, o que era
certamente o meu ponto forte. Já o trabalho com o Milos foi algo
completamente diferente, pois eu já tinha força de candidato a mestre. O
que fazíamos basicamente era analisar diversas posições e ver partidas,
mas sem uma didática típica treinador - aluno. Éramos mais
"companheiros de análise" e este é um sistema que recomendo para
enxadristas aspirantes que tiverem interesse de treinar com um GM,com
duas ressalvas: 1- o treinamento precisa, neste caso, ser ao vivo; 2- O
aspirante precisa ser muito dedicado e ter realmente vontade de
progredir. Com esse método, pulei de candidato a mestre a GM em 3 anos.
Maia:
Você também dá aulas e tem uma academia de xadrez
(www.academiarafaelleitao.com). Como é seu processo de avaliação do
aluno/treinando antes de ministrar as aulas/treinos?
Leitão: O
processo de avaliação envolve análises de posições selecionadas de
meio-jogo e finais, além de algumas partidas de 15 minutos. Após algumas
horas é possível diagnosticar quais são os pontos fortes e fracos do
aluno, permitindo a montagem de um programa de treinamento adequado.
Maia:
Teria algum conselho a dar para os jogadores que têm pouco tempo para
estudar? Se não dá para aperfeiçoar todos os aspectos, o que seria
prioritário? Qual habilidade/competência considera mais vital para um
enxadrista de competição de força média (1800 a 2100 rating FIDE)?
Leitão:
Com certeza o mais importante para enxadristas deste nível é o cálculo
de variantes. É preciso dar ênfase à resolução de combinações e estudos
artísticos. Curiosamente, a imensa maioria destes enxadristas comete o
grave erro de dedicarem seu pouco tempo disponível à memorização de
variantes de abertura e à leitura "passiva" de livros (apenas repassando
as análises do autor ou mesmo pulando as páginas que contêm mais
variantes). A preparação de aberturas só é realmente importante a partir
de uma força de 2400+.
Maia: Fiz uma enquete no meu
blog sobre o livro Mi Sistema, de Nimzowitsch (leitura recomendada pelo
treinador Mark Dvoretsky). A
prática
em competições e os métodos de estudo e treinamento mudaram muito. Você
ainda recomendaria os velhos manuais clássicos (Mi Sistema, Estratégia
do Pachman, etc) como referência nos estudos de xadrez? Cite os livros
que mais lhe impressionaram ao longo de seus estudos no xadrez.
Leitão:
Os livros clássicos citados foram muito importantes em sua época e
ainda hoje servem como referência histórica. Entretanto, os métodos de
aprendizado mudaram muito com o advento da informática. Sabendo-se
utilizar com a inteligência a informação gerada por bases de
dados+engines, é possível desenvolver-se mais rapidamente do que lendo
estas obras. Existe um livro
clássico
que ainda considero leitura obrigatória: Zurich 53, do Bronstein. Além
deste, os livros que mais me impressionaram foram os do Dvoretsky
(todos).
Maia: Como massificar o xadrez no
Brasil? por que, na sua opinião, não surgem, em boa quantidade, novos
jogadores talentosos por ano? Os projetos de xadrez escolar no Brasil
são eficazes (atingem as metas) e eficientes (relação custo/
benefício)?
Leitão:
O xadrez jamais será um esporte popular ou de massa no Brasil. É uma
questão cultural: não temos nenhuma identidade com o jogo, ao contrário
do que acontece em outros países. Na Argentina, para não irmos longe,
quase todos sabem jogar xadrez. E por quê? Pelos projetos de xadrez nas
escolas? Desconheço qualquer grande ação nesse sentido. Porque já
tiveram um grande jogador? Mequinho foi mais longe que Panno. É
simplesmente uma questão cultural. Justamente por isso os talentos aqui
são esporádicos. Poucos têm contato com o jogo e mesmo os que se
destacam têm dificuldades em conseguir treinamento especializado. Em
relação aos projetos de xadrez escolar, careço de informações mais
detalhadas para opinar.
Maia: Conte como foi a experiência de treinar com Mark Dvoretsky.
Leitão:
Ir a Moscou, a eterna capital do xadrez, e estudar com um dos mais
respeitados treinadores do mundo é uma experiência fascinante para quem é
apaixonado por xadrez. Como escrevi anteriormente, cresci lendo os
livros do Dvoretsky. Ele era (e ainda é) um ídolo para mim. E nessas 2
semanas pude absorver um pouco do que o xadrez significa para os russos e
no que consiste a famosa escola russa de xadrez. Este conhecimento me
ajudou a melhorar meu jogo e também a montar programas de treinamento
para meus alunos, mesmo que muitos deles - infelizmente - jamais tenham
lido um livro do Dvoretsky.
Maia: Sua apostila de cálculo é
excelente. Nela você aborda sobre os "lances candidatos". Esta técnica,
como está nos livros (Kotov, Nunn, Tisdall, Dvoretsky), é utilizada
pelos super GM´s ?
Leitão: A técnica dos lances candidatos é muito
importante para o aperfeiçoamento do cálculo e é utilizada pelos GMs.
Entretanto, deve-se fazer uma ressalva. Não somos robôs preparados para
fazer lances candidatos automaticamente em todas as posições. Para
utilizar o método eficientemente é preciso treinamento e bom senso. O
que ocorre é que a maioria dos enxadristas, em posições de cálculo
complexo, são imediatamente seduzidos por alguma continuação e começam a
analisá-la. Até aí tudo natural e isso ocorre com os GMs também. A
diferença é que os enxadristas mais fracos persistem nessa mesma
continuação durante muito tempo, quando muitas vezes o que deveriam
fazer é voltar à posição inicial e se perguntar se não existe uma idéia
mais efetiva (lances candidatos). A melhor explicação sobre lances
candidatos está no livro do Nunn (Secrets of Practical Chess). O livro
do Kotov, "Pense com um Grande Mestre" é muito importante por ser a obra
que introduziu este conceito, mas discordo do método "robótico" por ele
sugerido e discordo mais ainda do sistema de "árvore" de análises.
Maia:Ser enxadrista profissional não é fácil. Alguma vez você pensou em parar, fazer outras coisas profissionalmente?
Leitão:
Sim, já pensei nisso diversas vezes. Mas não consigo ficar muito tempo
longe de um tabuleiro. Fiz faculdade de Direito por 2 anos, mas tive que
interromper os estudos devido às competições. Mesmo se eu fosse
advogado ou exercesse alguma outra profissão, jamais perderia o contato
com o xadrez. Essa idéia de parar com o xadrez de competição passa vez
ou outra pela mente de todos os profissionais (especialmente depois de
uma derrota amarga ou um torneio sofrível). A realidade, porém, é que um
GM adquiriu um certo nível de status e excelência no que faz e não é
fácil começar alguma outra atividade do zero. Atualmente estou feliz com
as atividades de jogador e treinador e não pretendo fazer outra coisa.
Maia: Quais suas metas na carreira?
Leitão:
Como jogador pretendo subir meu rating e entrar na lista dos Top 100.
Como treinador tenho uma meta a longo prazo, que é ajudar algum
enxadrista talentoso a conseguir o título de GM.
Maia: Você vai optar por jogar as Olimpíadas ou os Jogos Abertos de SP?
Leitão:
Infelizmente a coincidência de datas entre os dois eventos não me deixa
outra escolha a não ser disputar os Jogos Abertos.
Maia:
Este ano teremos eleições na CBX. A atual gestão foi ótima ao sanear as
finanças e produzir um bom caixa, além de várias outras iniciativas
muito boas. Mas uma crítica que fazem é que teve uma atenção muito
acentuada nos GM´s, esquecendo um pouco da base. O que você acha destas
críticas e o que você espera da próxima gestão da CBX ?
Leitão: Acho
que as críticas são infundadas e que a atual gestão da CBX está
desenvolvendo um trabalho excepcional. Depois de um longo período no
vermelho, finalmente a CBX tem dinheiro em caixa. Quanto às críticas ao
apoio dado aos GMs, cumpre dizer que esta é uma das atribuições mais
importantes de um Confederação: apoiar seus melhores jogadores. Aliás,
este apoio não foi dado somente a GMs, mas também a muitos outros
jogadores. Espero que a próxima gestão dê continuidade a este trabalho e
que não haja um retrocesso.
Maia: Na sua opinião como está o
desenvolvimento do xadrez no Brasil em termos regionais? tem
acompanhado o desenvolvimento de federações do norte/nordeste, como, por
exemplo, a do Pará (que realizou diversos eventos) ?
Leitão: Não
tenho conhecimento suficiente para opinar sobre o desenvolvimento do
xadrez em outras regiões. 90% dos torneios que disputo no Brasil são
realizados em São Paulo.
Maia: O jogo de xadrez é sempre
citado como grande instrumento pedagógico em idade escolar, auxiliando
no desenvolvimento de outras habilidades como matemática, etc. Você
concorda integralmente ou acha que há uma certa superestimação ideal dos
benefícios do jogo?
Leitão:
Concordo integralmente com os benefícios do xadrez para crianças em
idade escolar. Claro que existem exceções, como enxadristas que tenham
dificuldade na escola, mas isso é extremamente raro.
Maia: Obrigado pelo papo, GM Rafael Leitão! Apesar de você ser botafoguense, sou muito seu fã!!