GM (FIDE e ICCF) RAFAEL LEITÃO
O GM FIDE Rafael Leitão entrou para um seleto e reduzido grupo de enxadristas: aqueles que têm o título de GM tanto pela FIDE como pela ICCF (International Correspondence Chess Federation).
Vejam aqui no site da ICCF.
Parabéns ao gente boa Rafpig!
Vejam AQUI uma entrevista do Rafael para o CXEB (Clube de Xadrez Epistolar Brasileiro).
E vejam abaixo uma entrevista dada para este blog em 2008
terça-feira, 15 de julho de 2008
56- ENTREVISTA COM O GM RAFAEL LEITÃO
O atual nº 3 do Brasil (rating FIDE de 2590), GM Rafael Dualibe Leitão, concedeu uma entrevista, por mail, para este blog. Espero que meus estimados leitores apreciem este bate-papo!
Maia: Como foi seu processo de estudo do jogo no início de sua carreira em São Luís do Maranhão e depois com o GM Gilberto Milos em São Paulo? Quais foram os conteúdos assimilados e os métodos utilizados de estudo e treinamento? Quais foram seus pontos fortes e fracos?
Leitão: Quando morava em São Luís treinava geralmente sozinho ou com meu pai, que apesar de não ser um enxadrista forte, sabia muito bem quais as prioridades no treinamento, além de me ajudar na leitura dos livros em inglês. A prioridade do meu treinamento nessa época - e que persistiu por muito tempo - era o cálculo de variantes. Inicialmente, até atingir certo nível, resolvia principalmente combinações de um livrinho chamado "Test Your Chess IQ" e outros exercícios semelhantes. Graças a esse esforço, obtive rapidamente uma visão tática muito boa, o que era certamente o meu ponto forte. Já o trabalho com o Milos foi algo completamente diferente, pois eu já tinha força de candidato a mestre. O que fazíamos basicamente era analisar diversas posições e ver partidas, mas sem uma didática típica treinador - aluno. Éramos mais "companheiros de análise" e este é um sistema que recomendo para enxadristas aspirantes que tiverem interesse de treinar com um GM,com duas ressalvas: 1- o treinamento precisa, neste caso, ser ao vivo; 2- O aspirante precisa ser muito dedicado e ter realmente vontade de progredir. Com esse método, pulei de candidato a mestre a GM em 3 anos.
Maia: Você também dá aulas e tem uma academia de xadrez (www.academiarafaelleitao.com). Como é seu processo de avaliação do aluno/treinando antes de ministrar as aulas/treinos?
Leitão: O processo de avaliação envolve análises de posições selecionadas de meio-jogo e finais, além de algumas partidas de 15 minutos. Após algumas horas é possível diagnosticar quais são os pontos fortes e fracos do aluno, permitindo a montagem de um programa de treinamento adequado.
Maia: Teria algum conselho a dar para os jogadores que têm pouco tempo para estudar? Se não dá para aperfeiçoar todos os aspectos, o que seria prioritário? Qual habilidade/competência considera mais vital para um enxadrista de competição de força média (1800 a 2100 rating FIDE)?
Leitão: Com certeza o mais importante para enxadristas deste nível é o cálculo de variantes. É preciso dar ênfase à resolução de combinações e estudos artísticos. Curiosamente, a imensa maioria destes enxadristas comete o grave erro de dedicarem seu pouco tempo disponível à memorização de variantes de abertura e à leitura "passiva" de livros (apenas repassando as análises do autor ou mesmo pulando as páginas que contêm mais variantes). A preparação de aberturas só é realmente importante a partir de uma força de 2400+.
Maia: Fiz uma enquete no meu blog sobre o livro Mi Sistema, de Nimzowitsch (leitura recomendada pelo treinador Mark Dvoretsky). A prática em competições e os métodos de estudo e treinamento mudaram muito. Você ainda recomendaria os velhos manuais clássicos (Mi Sistema, Estratégia do Pachman, etc) como referência nos estudos de xadrez? Cite os livros que mais lhe impressionaram ao longo de seus estudos no xadrez.
Leitão: Os livros clássicos citados foram muito importantes em sua época e ainda hoje servem como referência histórica. Entretanto, os métodos de aprendizado mudaram muito com o advento da informática. Sabendo-se utilizar com a inteligência a informação gerada por bases de dados+engines, é possível desenvolver-se mais rapidamente do que lendo estas obras. Existe um livro clássico que ainda considero leitura obrigatória: Zurich 53, do Bronstein. Além deste, os livros que mais me impressionaram foram os do Dvoretsky (todos).
Maia: Como massificar o xadrez no Brasil? por que, na sua opinião, não surgem, em boa quantidade, novos jogadores talentosos por ano? Os projetos de xadrez escolar no Brasil são eficazes (atingem as metas) e eficientes (relação custo/benefício)?
Leitão: O xadrez jamais será um esporte popular ou de massa no Brasil. É uma questão cultural: não temos nenhuma identidade com o jogo, ao contrário do que acontece em outros países. Na Argentina, para não irmos longe, quase todos sabem jogar xadrez. E por quê? Pelos projetos de xadrez nas escolas? Desconheço qualquer grande ação nesse sentido. Porque já tiveram um grande jogador? Mequinho foi mais longe que Panno. É simplesmente uma questão cultural. Justamente por isso os talentos aqui são esporádicos. Poucos têm contato com o jogo e mesmo os que se destacam têm dificuldades em conseguir treinamento especializado. Em relação aos projetos de xadrez escolar, careço de informações mais detalhadas para opinar.
Maia: Conte como foi a experiência de treinar com Mark Dvoretsky.
Leitão: Ir a Moscou, a eterna capital do xadrez, e estudar com um dos mais respeitados treinadores do mundo é uma experiência fascinante para quem é apaixonado por xadrez. Como escrevi anteriormente, cresci lendo os livros do Dvoretsky. Ele era (e ainda é) um ídolo para mim. E nessas 2 semanas pude absorver um pouco do que o xadrez significa para os russos e no que consiste a famosa escola russa de xadrez. Este conhecimento me ajudou a melhorar meu jogo e também a montar programas de treinamento para meus alunos, mesmo que muitos deles - infelizmente - jamais tenham lido um livro do Dvoretsky.
Maia: Sua apostila de cálculo é excelente. Nela você aborda sobre os "lances candidatos". Esta técnica, como está nos livros (Kotov, Nunn, Tisdall, Dvoretsky), é utilizada pelos super GM´s ?
Leitão: A técnica dos lances candidatos é muito importante para o aperfeiçoamento do cálculo e é utilizada pelos GMs. Entretanto, deve-se fazer uma ressalva. Não somos robôs preparados para fazer lances candidatos automaticamente em todas as posições. Para utilizar o método eficientemente é preciso treinamento e bom senso. O que ocorre é que a maioria dos enxadristas, em posições de cálculo complexo, são imediatamente seduzidos por alguma continuação e começam a analisá-la. Até aí tudo natural e isso ocorre com os GMs também. A diferença é que os enxadristas mais fracos persistem nessa mesma continuação durante muito tempo, quando muitas vezes o que deveriam fazer é voltar à posição inicial e se perguntar se não existe uma idéia mais efetiva (lances candidatos). A melhor explicação sobre lances candidatos está no livro do Nunn (Secrets of Practical Chess). O livro do Kotov, "Pense com um Grande Mestre" é muito importante por ser a obra que introduziu este conceito, mas discordo do método "robótico" por ele sugerido e discordo mais ainda do sistema de "árvore" de análises.
Maia:Ser enxadrista profissional não é fácil. Alguma vez você pensou em parar, fazer outras coisas profissionalmente?
Leitão: Sim, já pensei nisso diversas vezes. Mas não consigo ficar muito tempo longe de um tabuleiro. Fiz faculdade de Direito por 2 anos, mas tive que interromper os estudos devido às competições. Mesmo se eu fosse advogado ou exercesse alguma outra profissão, jamais perderia o contato com o xadrez. Essa idéia de parar com o xadrez de competição passa vez ou outra pela mente de todos os profissionais (especialmente depois de uma derrota amarga ou um torneio sofrível). A realidade, porém, é que um GM adquiriu um certo nível de status e excelência no que faz e não é fácil começar alguma outra atividade do zero. Atualmente estou feliz com as atividades de jogador e treinador e não pretendo fazer outra coisa.
Maia: Quais suas metas na carreira?
Leitão: Como jogador pretendo subir meu rating e entrar na lista dos Top 100. Como treinador tenho uma meta a longo prazo, que é ajudar algum enxadrista talentoso a conseguir o título de GM.
Maia: Você vai optar por jogar as Olimpíadas ou os Jogos Abertos de SP?
Leitão: Infelizmente a coincidência de datas entre os dois eventos não me deixa outra escolha a não ser disputar os Jogos Abertos.
Maia: Este ano teremos eleições na CBX. A atual gestão foi ótima ao sanear as finanças e produzir um bom caixa, além de várias outras iniciativas muito boas. Mas uma crítica que fazem é que teve uma atenção muito acentuada nos GM´s, esquecendo um pouco da base. O que você acha destas críticas e o que você espera da próxima gestão da CBX ?
Leitão: Acho que as críticas são infundadas e que a atual gestão da CBX está desenvolvendo um trabalho excepcional. Depois de um longo período no vermelho, finalmente a CBX tem dinheiro em caixa. Quanto às críticas ao apoio dado aos GMs, cumpre dizer que esta é uma das atribuições mais importantes de um Confederação: apoiar seus melhores jogadores. Aliás, este apoio não foi dado somente a GMs, mas também a muitos outros jogadores. Espero que a próxima gestão dê continuidade a este trabalho e que não haja um retrocesso.
Maia: Na sua opinião como está o desenvolvimento do xadrez no Brasil em termos regionais? tem acompanhado o desenvolvimento de federações do norte/nordeste, como, por exemplo, a do Pará (que realizou diversos eventos) ?
Leitão: Não tenho conhecimento suficiente para opinar sobre o desenvolvimento do xadrez em outras regiões. 90% dos torneios que disputo no Brasil são realizados em São Paulo.
Maia: O jogo de xadrez é sempre citado como grande instrumento pedagógico em idade escolar, auxiliando no desenvolvimento de outras habilidades como matemática, etc. Você concorda integralmente ou acha que há uma certa superestimação ideal dos benefícios do jogo?
Leitão: Concordo integralmente com os benefícios do xadrez para crianças em idade escolar. Claro que existem exceções, como enxadristas que tenham dificuldade na escola, mas isso é extremamente raro.
Maia: Obrigado pelo papo, GM Rafael Leitão! Apesar de você ser botafoguense, sou muito seu fã!!
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