Publico o texto abaixo não porcausa da blogueira, que é fraquíssima na verdade, bem desarticulada, mas pelo conteúdo que nos proporciona reflexões mais relevantes.
ALTMAN: POR QUE A DIREITA BATE BUMBO
POR YOANI?
Em artigo exclusivo para o 247, Breno
Altman, diretor do Opera Mundi, argumenta que os protestos contra a cubana Yoani
Sánchez foram uma manifestação democrática legítima; ele lembra que, em 2007, a
claque organizada pelo ex-prefeito do Rio, Cesar Maia, para vaiar o
ex-presidente Lula não gerou a mesma indignação; Altman diz ainda que, embora a
direita tenha planejado a visita de Yoani como uma apoteose midiática, o
episódio acabou demonstrando que a solidariedade em relação à Revolução de 1959
permanece viva na América Latina
27 DE FEVEREIRO DE 2013 ÀS
09:39
Por Breno
Altman
O direito de protestar faz parte da
democracia. Essa garantia inclui apupos, gritos, gestos, cartazes e até o
esculacho. Apenas exclui o exercício da violência direta, monopólio do Estado em
seu papel regulador das relações sociais. Não se pode classificar, como
modalidades aprioristicamente antidemocráticas, por exemplo, piquetes grevistas,
ocupações de terra e bloqueios de estrada. Muito menos o recurso à
vaia.
O sistema democrático, afinal, não
tem como finalidade tornar a política o reino dos eunucos, mas normatizar o
conflito de classes, partidos e grupos a partir de regras válidas para todos e
resguardadas pelas instituições pertinentes.
Protegido por esse princípio, o então
prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, organizou uma claque para vaiar o
presidente Lula na abertura dos Jogos Panamericanos de 2007 e impedi-lo de
discursar. A esquerda aceitou o fato como natural e tratou de mobilizar suas
forças para, na garganta, neutralizar as cornetas
conservadoras.
Na semana passada, quando a blogueira
Yoani Sanchez chegou ao Brasil, diversas entidades e agrupamentos progressistas
resolveram botar a boca no trombone, por considerarem insultante a visita de uma
dissidente incensada e financiada pelos Estados Unidos, no eterno propósito de
combater a revolução cubana.
Esses movimentos tomaram várias
iniciativas para demonstrar que, a seu juízo, Yoani era persona non grata. As
medidas tomadas, em alguns momentos, até passaram do ponto, caindo em
provocações e deslizando para o exagero. Os ativistas eventualmente cometeram
erros políticos, correndo o risco da antipatia do senso comum. Agiram, contudo,
sob amparo da mesma Constituição que avalizou os protestos do
Maracanã.
Inúmeros oráculos da direita reagiram
com fúria descontrolada. Cerraram fileiras e acusaram os manifestantes de
atentarem contra a democracia, sem pudores de expor sua dupla moral. Boa parte
dos que supostamente se horrorizaram com as vaias contra a escriba, vale
lembrar, vibrou com a armação de Maia e se dedica a estimular qualquer ação de
repúdio, verbal ou física, aos petistas acusados no processo do chamado
"mensalão".
Essa indignação pretensamente
democrática dos setores conservadores exala o odor de sua contumaz hipocrisia.
Claro, muitos cidadãos torceram honestamente o nariz, à direita e à esquerda,
pois está sedimentado, em nossa cultura política, que o confronto é uma
aberração da natureza. Mas a vanguarda reacionária está preocupada com qualquer
outra coisa que não os bons modos.
A direita imaginou que o road show de
Yoani Sanchez seria a apoteose midiática de uma nova voz contra o governo
cubano. Acreditou que teria conforto para revalidar seu ponto de vista sobre o
regime fundado em 1959, dando-lhe ares de unanimidade, em um momento no qual as
atenções se concentravam na eleição de Raul Castro para novo mandato
presidencial e no aprofundamento das reformas do sistema
socialista.
Essa aposta, além de subserviência
ideológica aos Estados Unidos, voltava-se também para desgastar um aspecto
importante da política internacional brasileira, qual seja, o apoio à economia
cubana e à integração plena do país no bloco latino-americano. Não é à toa que
os valetes da blogueira foram alguns ases da oposição mais iracunda, aos quais
se somou o inefável senador Eduardo Suplicy.
Qual não foi a surpresa dessa gente,
porém, quando reparou que não haveria pacto de silêncio e a empreitada estava
sendo enfrentada por onde passasse sua heroína. O governo não saiu um milímetro
de seu papel institucional, a favor ou contra a blogueira, mas uma fatia da
esquerda resolveu dizer publicamente o que pensava, em alto e bom
som.
Bastou para os organizadores da
visita reduzirem o número de eventos e Yoani cancelar sua ida para a Argentina,
arremetendo diretamente para a República Checa. Temia-se que, em Buenos Aires, a
recepção fosse ainda mais calorosa e massiva. O próprio Wall Street Journal,
santuário do pensamento conservador, registrou que a presença da dissidente
havia sido um tiro pela culatra e ressuscitado a solidariedade com a revolução
cubana.
A mesma lucidez faltou a seus pares
brasileiros. Como é de praxe, a imprensa tradicional recorreu à pena de
articulistas que, com passado na esquerda, atualmente cumprem expediente como
banda de música da direita. Outrora essa posição foi preenchida pelo talento
político e literário de Carlos Lacerda, até de Paulo Francis. Infelizmente seus
herdeiros têm poucas luzes e pálidos dotes narrativos, déficit que parecem
compensar com um rancor irracional contra seu lado de origem.
E o ódio costuma ser, como se sabe,
parteiro de ideias delirantes. Os manifestantes chegaram a ser comparados com os
camisas-negras de Mussolini e as tropas de choque nazistas, enquanto Yoani
Sanchez foi citada como equivalente cubana do sul-africano Nelson Mandela. São
afirmações reveladoras de que não há limites para o reacionarismo quando as ruas
ousam desafiar seu modo de ver o mundo.
Breno Altman é jornalista e diretor
editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.