quinta-feira, 26 de junho de 2008

45- O XADREZ E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO (POR ALFREDO SANTOS)

Pessoal, segue um bom texto do "colunista" deste blog, prof. Alfredo Santos.
Boa leitura!
Bom final de semana!


O xadrez e os meios de comunicação

Alfredo Pereira dos Santos

Espero não estar cometendo nenhuma injustiça, mas a impressão que tenho é que poucas vezes por ano a nossa grande imprensa se digna de conceder espaço para o xadrez local. Refiro-me ao xadrez jogo e não aquele onde se vê “o sol nascer quadrado”, que esse está presente diariamente, tanto nas colunas policiais quanto políticas.

Naturalmente que o Kasparov, quando estava em atividade, aparecia mais. Mas isso porque ele é gênio e os gênios conseguem espaços com mais facilidade e vencem as barreiras, inclusive as do tempo. Mozart morreu em 1791, mas continua encantando as platéias de todo o mundo civilizado (e mesmo nos menos civilizados, mas que tenham ilhas de civilização), onde se encontram pessoas com inteligência, cultura ou sensibilidade para reconhecer e apreciar o seu enorme talento.

Agora mesmo, no dia 22, o caderno Revista, do jornal o Globo, falou sobre o destaque que alguns alunos da Escola Municipal Benjamin Constant, no bairro de Santo Cristo, tiveram depois de aprender xadrez com o professor de História, Daniel Pereira, que resolveu, por iniciativa própria, levar o jogo aos estudantes.

Os aficionados do xadrez gostam de saber dessas histórias, pois acham que elas podem ser um prenúncio de que o jogo milenar entrará nos corações e mentes dos nossos jovens. Pode ser, mas é bom que não fiquem muito animados, pois a frustração pode ser o day after da esperança.

Falo de cadeira, pois já vi esse filme muitas vezes. O entusiasmo inicial dos alunos arrefece, o apoio dado pelas escolas é pífio e não é incomum que os próprios membros da escola vejam o jogo com hostilidade.

Penso que com o xadrez ocorre algo parecido com a aquisição do hábito da leitura. Se os pais gostam de ler e tem livros em casa, há uma boa chance dos filhos adquirirem o gosto pelos livros. Existem inúmeros casos, frequentemente envolvendo figuras exponenciais da cultura brasileira, de crianças que encontraram nas bibliotecas de pais, avós, tios, etc, as bases do seu sucesso futuro. Analogamente, se o pai ou a mãe joga xadrez e tem tabuleiro e peças em casa, há uma boa chance dos filhos virem a jogar. O grande problema é que, na imensa maioria dos lares brasileiros, não se encontram livros nem tabuleiros e peças de xadrez. Fica então a televisão como alternativa para os momentos de lazer. E é ai que mora o perigo, a ser verdadeira a afirmação do sociólogo Betinho, segundo a qual “A televisão é a mais fantástica máquina de imbecilização jamais criada”. E o Betinho não estava sozinho. Existe muita gente, no Brasil e fora dele, que aponta os prejuízos que a televisão provoca na inteligência das pessoas, principalmente das crianças.

Mas não quero falar aqui de televisão, acerca da qual já escrevi muitas vezes e tenho posição conhecida. Quero continuar falando de xadrez, do seu ensino e dos nossos meios de comunicação.

Há mais ou menos um ano, o mesmo jornal O Globo, no caderno de bairros da Tijuca, publicou matéria sobre a intenção de alguns veteranos jogadores de xadrez do Tijuca Tênis Clube de difundir mais o jogo, dentro e fora do clube. Eu ia usar a palavra iniciativa, em lugar de intenção, mas optei por essa última porque de iniciativa nada houve, concretamente. Ficou tudo na intenção. Embora o xadrez seja envolvido por um manto de nobreza (já que é chamado de O Jogo dos Reis), os seus praticantes não estão imunes às paixões que assolam, como vendavais, a maioria da humanidade. Invejas, vaidades, ciúmes, intrigas, maledicências, fazem parte do mundo do xadrez tanto quanto o de qualquer outro. E são essas divisões que impedem que as coisas aconteçam.

Não caberia, nesse texto, apresentar questões de ordem religiosa, mas não posso deixar de mencionar o texto bíblico, que diz (Mateus 12:25):

“Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá.”

Não é preciso ser religioso para entender como verdadeiras tais palavras. O xadrez é uma prática de minorias. Ora, ser minoria já é uma desvantagem. Pior ainda quando se trata de uma minoria dividida.

Então, partimos da seguinte constatação: os meios de comunicação não divulgam o xadrez. A que se pode atribuir tal coisa? Os leitores mais antigos hão de se lembrar que há 30, 40 anos, diversos jornais e revistas do Rio de Janeiro davam espaço para o xadrez, com colunas permanentes publicadas em dias certos da semana. Hoje o que temos são matérias ocasionais, publicadas de ano em ano. Qual a explicação? Quando o Jornal do Brasil resolveu interromper a sua coluna de xadrez (que chegou a ser assinada por uma figura ilustre, a antropóloga Iluska Simonsen, mulher do ex-ministro Mario Henrique Simonsen, também aficionado do jogo), o diretor-presidente do jornal justificou a decisão dizendo que “a coluna despertava pouco interesse por parte dos leitores”. E arrematou, num julgamento categórico e definitivo, em carta a mim enviada e que tenho entre os meus guardados: “como vossa senhoria sabe, o pensar não é muito do gosto da nossa gente”.

Obviamente, enxadristas (diferentemente do resto da população, na visão do senhor Nascimento Brito) pertencem a uma minoria que gosta de pensar. Mas são minoria e, como tal, pouco podem fazer. Divididos menos ainda.

Pode ser que a opinião do senhor Nascimento Brito reflita a dos demais donos de jornais e redes de TV. Se o povo não gosta de pensar, não se interessa pelo jogo de xadrez, por que dar espaço a ele?

Essa é uma explicação, uma hipótese. Uma outra, dada por um dirigente de federação, é a de que a Internet é a culpada. Mas essa explicação falece se analisarmos o caso do futebol. As pessoas poderiam acompanhar as partidas pela TV mas, no entanto, os estádios, em geral, e o Maracanã, em particular, continuam cheios em dias de jogos. E os jornais dedicam cadernos inteiros ao futebol, com algumas concessões a esportes menos votados, como vôlei e basquete. E, a despeito das notícias esportivas que saem na Internet, as pessoas não deixam de comprar os jornais. E isso por uma razão muito simples: a grande maioria das pessoas não tem computador em casa. E tendo, nem todos os membros da família o utilizam.

Então eu caio na velha questão da “massa crítica”, já falada por mim em texto anterior. Não tem gente suficientemente interessada em xadrez a ponto de despertar o interesse de empresas patrocinadoras e da imprensa. Anunciar numa revista de xadrez, por exemplo, mesmo que seja barato, não vai atingir tanta gente assim.

A Internet e o computador podem facilitar o aprendizado do xadrez e ajudar as pessoas a jogá-lo melhor. Não há dúvida. Isso é bom, por um lado. Por outro lado pode ter, como conseqüência, o esvaziamento das salas de xadrez dos clubes, suprimindo, com isso, o convívio e a confraternização decorrentes. Mas esse é um fenômeno que ocorre com o xadrez. Nas praças públicas existem diversas mesas adaptadas para o jogo de xadrez, mas observem que elas foram tomadas de assalto pelos velhinhos (e alguns jovens também) jogadores de baralho, de Damas e Dominó. Onde estão os jogadores de xadrez para “tomar de assalto” essas mesas? Eles, simplesmente, não existem. A natureza tem horror ao vácuo. Se os enxadristas não ocuparem os espaços que reivindicam, outros o farão.

A imprensa noticiou, há poucos dias, a aprovação de um projeto que prevê o ensino do jogo de xadrez nas escolas estaduais. O governador, Sergio Cabral Filho, ficou contra a aprovação do projeto, mas não é do meu conhecimento os motivos que o levaram a ser contra. Mas algumas pessoas, em cartas dirigidas aos jornais ou na Internet também se manifestaram contra. E apresentaram os seus argumentos. O mais comum deles era o de que a escola, com as suas deficiências nas disciplinas tradicionais, não deveria perder tempo com o xadrez.

Essas cartas refletem a opinião de algumas pessoas que lêem os jornais e não sei se elas tem significância estatística, se representam uma parcela ponderável da população. O fato é que existem muitos preconceitos e estereótipos em relação ao jogo de xadrez e sobre o processo educacional em si, o que se reflete na opinião contrária e equivocada dessas pessoas.

Mas isso é o que pretendo demonstrar outro dia.

Rio de Janeiro, 26 de junho de 2008.

6 comentários:

Anônimo disse...

Como sempre, o grande A.P. Santos nos brinda com este excelente texto que retrata a visão preconceituosa sobre o xadrez e a cultura que, infelizmente, ainda existe em nosso país.
Só quem já tentou conseguir um espaço
em algum colégio, público ou privado, p/ dar aulas, sabe quantas complicações podem aparecer.
Abraços

R. Mercadante

Elci Pereira Diniz disse...

Pouco o que comentar sobre a matéria assinada pelo Sr. Alfredo Pereira dos Santos, a não ser que é brilhante.
E sou obrigado a fazer um pequeno desabafo.
Infelizmente não leio o site da FEXERJ todos os dias e mesmo muito chateado pois fui impedido de jogar o Magistral da FEXERJ em razão de seus regulamentos pois jogadores de outros estados só podem participar do torneio se tiverem mais de 2300 de rating FIDE , fui a AABB tijuca tentar pagar a cerveja ao Sr. Maia e para meu espanto total o torneio não seria mais nessa data.
Elci Pereira Diniz

Maiakowsky, um blog sobre xadrez (e algo mais!) disse...

Lamento você ter ido à AABB. Poderia ter avisado, moro a 100 metros da AABB, iria lá beber a cerveja.

Não faltarão oportunidades!

Anônimo disse...

O Alfredo faz neste artigo um raio x preciso da situação vivida pelo enxadrismo nacional. Brigamos por espaço, e os poucos que surgem, não os ocupamos devidamente. Nas esferas "superiores", a fogueira da vaidade consome os semi-deuses como pobres diabos. Há pouco tempo disputei um torneio por e-mail, defendendo o glorioso CXV, contra vários clubes alemães e lembro-me das apresentações, onde quase todos os meus adversários jogavam xadrez desde os 5 anos de idade, e a modalidade postal há uns 20 anos. Um deles disse que sonhava um dia poder vir ao Brasil. Confessei-lhe meu sonho: Que o Brasil, um dia, pudesse ter tanto xadrez, como tem futebol.
Abraços!
Luiz H.

Unknown disse...

ALDENIR BATISTA MANHÃES(PERNA FLOYD) Caro amigo Alfredo, lhe parabenizo pelo excelente e oportuno texto sobre o xadrez.
O beneficios do xadrez vem transformando a vida de vários jovens de Xerém em Duque de Caxias,
um dos municipios mais ricos do Estado, temos o xadrez aprovado pela prefeitura desde do 2004 e o governo atual diz que não há verba
para introduzir o xadrez nas escolas municipais, muitos falam em educação, violências etc... e nada fazem! Uma vez lí um texto mais ou menos assim! O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles cometem o mal, mas por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.
Por isso amigo Alfredo continuemos a fazer a nossa parte. Xadrez nas escolas já.
Abraços para Alfredo e Cleo...

Schwab disse...

Trata-se de uma excelente análise para renovar esperanças e relançar o tema para discussão... e ação.
Alfredo é especialmente qualificado para abordar o tema, dada sua longa experiência no xadrez e sua vasta cultura.
Penso que cabem alguns comentários:
1- o xadrez no Brasil não fez a transição para além do amadorismo tão bem quanto o futebol e outros esportes, e isto parece ter a ver com massa crítica e marketing; mas será que é mesmo só por isso?
2- aproveitar o seu valor pedagógico e incrementar o Xadrez Escolar pode ser uma solução efetiva de base; então, como podemos apoiar isso?
3- também o seu valor como excelente forma de lazer (com menos ênfase na competição...), especialmente para jovens e a terceira idade, teria que ser reconhecido pela gestão pública e adequadamente apoiado, etc.
-> espero que possa resultar algo deste debate.
franciscoschwab@hotmail.com