A base do xadrez de competição é saber calcular. Acredito que esta habilidade e o conhecimento dos finais é o que garantem muitos pontos nos torneios. Cansei de ver jogadores "posicionais" (ou seja, que não calculam nada, o meu caso!) jogarem corretamente a abertura preparada, seguirem os planos de meio-jogo e, de repente, VAPO, toma um tático bonito (e nada difícil de ver) do adversário......perde a partida e profere, frustrado, a frase mais ouvida no xadrez: eu estava ganho!!!
Treinar cálculo não é somente matar problemas, aquelas belezuras de temas táticos (desvio, atração, descobertos,etc..) e motivos combinatórios (debilidade de fila, peça sobrecarregada,etc) bem definidos e com uma ou duas linhas apenas. Calcular não é apenas combinar. Evidente que quanto mais temas de combinação você dominar, melhor para seu cálculo, mas ficar só de matar problemas e combinações não dá ponto pra ninguém! conheço muitos jogadores "táticos" (na verdade, aqueles que não têm apego material e jogam "pra cima") que calculam mal paca! Na minha opinião, mais sintonizados com o treino de cálculo seria a solução de finais artísticos. Na verdade, estudar finais é um excelente exercício de cálculo!! sim senhores, é!! já estudaram finais de reis e peões? o que decide estes finais é o cálculo bruto, concreto!! estudar o Endgame Manual do Dvoretsky é matar dois coelhos chamados finais e cálculo com um estudo só!!!
Bom, senhores, calcular BEM no xadrez é difícil pra caramba! lembro agora do meu amigo Sadi Dumont. Quando lhe pergunto: "e aí, como vai o torneio?" ele sempre responde: "Mainha, ninguém calcula nada!!" Nem ele calcula (fogo amigo!)! há muitas dificuldades e motivos pelos quais se calcula mal (retornaremos a este tema muitas vêzes) mas uma das dificuldades principais é não reter as imagens calculadas na mente após um bom número de lances calculados.
Após um excelente ciclo de palestras sobre cálculo que assisti do emérito professor Luiz Loureiro, resolvi comprar uns livros dados na bibliografia. Estou lendo um que abordou esta dificuldade de focar as posições resultantes na mente. O livro é sensacional e algo antigo (1997), se chama Improve Your Chess Now, de um maluco chamado Jonathan Tisdall.
Tisdall propõe o método de analisar às cegas como um treinamento eficaz para focar as posições. Ele reproduz uma citação do grande Dr. Tarrasch: "Uma partida de xadrez é como um jogo às cegas. Por exemplo, toda combinação de cinco lances é executada mentalmente, com a única diferença que você tem um tabuleiro diante de si. As peças que você está olhando, frequentemente atrapalham seus cálculos!". Ele cita também o hábito de alguns top players (Shirov, Ivanchuk e Svidler) que frequentemente calculam variantes olhando para algum ponto do espaço fora do tabuleiro! Esses grandes jogadores claramente focam melhor suas visualizações de variantes críticas olhando para algum lugar que não seja o tabuleiro. Provavelmente esses super GM´s são tão confiantes nos seus poderes de visualização e cálculo que ao final de longas variantes eles prefiram checar suas conclusões sem ter a posição corrente no tabuleiro para distraí-los!!
Para aprimorar a capacidade de retenção das posições calculadas na mente, Tisdall cita o método Beliavsky. Entre torneios, Beliavsky costumava reproduzir e analisar por dia pelo menos cinco partidas às cegas. Mas até chegar neste estágio é uma distância e tanto e não sei até que ponto produtivo para quem não é GM. O negócio é seguir o método de Beliavsky, começando por partidas curtas, visualizando gradativamente posições mais complicadas (esse método é aplicado pelo GM Darcy Lima a seus alunos). Nesse treino, Tisdall recomenda uma técnica: "Stepping- Stone" que simplesmente consiste em "resetar" a posição no ponto em que você começa a perder o foco. Reinicie os cálculos (peças movidas? visualize-as em suas novas casas. Peças trocadas? remova-as da sua mente) a partir da posição "resetada".
Vamos à prática! vou dar 4 exemplos de partidas que vocês devem reproduzir mentalmente (não olhem para um tabuleiro) até um ponto onde deverão responder com lances a um questionamento. Ou seja, trabalho mental é requerido após uma posição estar registrada na mente (focada). Vamos lá (dou a notação algébrica extensa para facilitar!):
Sokolov x Savko-1994
1.c2-c4 Cg8-f6 2.Cb1-c3 e7-e5 3.g2-g3 d7-d5 4.c4xd5 Cf6xd5 5.Bf1-g2 Cd5-b6 6.Cg1-f3 Cb8-c6 7.0-0 Bf8-e7 8.a2-a3 0-0 9.b2-b4 Bc8-e6 10.d2-d3 a7-a5 11.b4-b5 Cc6-d4 12.Ta1-b1 f7-f6 13.Cf3-d2 Cb6-d5 * O QUE ACONTECE AGORA?
Chachalev x Ayupbergenov-1994
1.e2-e4 Cg8-f6 2.e4-e5 Cf6-d5 3.d2-d4 d7-d6 4.Cg1-f3 d6xe5 5.Cf3xe5 g7-g6 6.Bf1-c4 c7-c6 7.Dd1-f3 Bc8-e6 8.Cb1-c3 Cb8-d7 9.0-0 Bf8-g7 10.Tf1-e1 0-0 11.Bc1-d2 Cd7xe5 12.d4xe5 *
O QUE ACONTECE AGORA?
Svidler x Malaniuk-1994
1.e2-e4 e7-e5 2.Cg1-f3 Cb8-c6 3.d2-d4 e5xd4 4.Cf3xd4 Cg8-f6 5.Cb1-c3 Bf8-b4 6.Cd4xc6 b7xc6 7.Bf1-d3 d7-d5 8.e4xd5 c6xd5 9.0-0 0-0 10.Bc1-g5 c7-c6 11.Cc3-a4 h7-h6 12.Bg5-h4 Tf8-e8 13.c2-c4 Bb4-d6 14.c4xd5 c6xd5 15.Ca4-c3 Bd6-e5 16.Cc3xd5 * O QUE ACONTECE AGORA? QUAL FOI A IDÉIA DO ÚLTIMO LANCE DAS BRANCAS?
Gaertner x Wohlfarht-1994
1.d2-d4 Cg8-f6 2.c2-c4 g7-g6 3.Cb1-c3 Bf8-g7 4.e2-e4 d7-d6 5.h2-h3 0-0 6.Bc1-e3 Cb8-a6 7.Bf1-d3 e7-e5 8.d4-d5 Cf6-h5 9.Cg1-e2 f7-f5 10.e4xf5 g6xf5 11.g2-g4 e5-e4 12.g4xh5 e4xd3 13.Dd1xd3 f5-f4 14.Be3-d4 Ca6-b4 15.Dd3-d2 Bg7xd4 16.Ce2xd4 Dd8-f6 17.0-0-0 Bc8-d7 18.Cc3-e4 Df6-e5 * O QUE ACONTECE AGORA?
NÃO ESQUEÇAM, DEVEM REPRODUZIR ÀS CEGAS, SEM OLHAR O TABULEIRO!
Honestidade intelectual e ética (tenho visto exemplos tristes de falta de ética nos tabuleiros) são fundamentais no bom desenvolvimento pessoal.
Bom, sou um aprendiz. Dêem feedback deste post com comentários, sugestões, discordâncias,etc.
Obrigado, até o próximo post!
10 comentários:
Apesar dos pesares, creio que a proposta que vc apresenta é bastante interessante.
Por que digo apesar dos pesares? Eu ainda acho parte fundamental do cálculo um trabalho prévio de treinamento com problemas simples de mate em 1 e 2 e estudos de partidas miniaturas.
Uma coisa não invalida a outra, mas penso que o que propões é muito avançado para nós iniciantes que não temos nenhum hábito de calcular.
Mas, para aqueles que conseguirem enfrentar o desafio, sem dúvida, terá cortado um senhor tempo.
Blanco
Fala Xadrez Opinião!!
Blanco, sua indagação vai merecer outro post mas já vou lhe responder o que penso. Tudo vai depender da pessoa (criança, jovem ou coroa) que estiver sendo treinada. Para isto tem uma coisa chamada avaliação. O trabalho prévio que vc se referiu(mates em 1, 2, temas típicos de mate, temas táticos,etc) seriam obrigatórios e indispensáveis para jogadores muito jovens, crianças. Por exemplo, os Vilalbinhas. Não conheço o treinamento deles mas , na minha opinião eles devem ter uma carga de treinamento tático de, no mínimo, 1 hora por dia, antes de qualquer coisa!
Agora o outro lado da moeda.Tem jogadores adultos, de torneios, que ficam no "trabalho prévio" a vida toda, intermitente! e estes jogadores não podem se subestimar, tem que encarar um livro de tática do Dvoretsky (Secrets of Chess Tactics por exemplo), analisar as posições, errar, errar e errar, mas trabalhar em cima. O complemento com um "trabalho prévio" pode e deve ser feito com livro de temas táticos (tipo do M. Blokh) antes de dormir, no metrô, no intervalo de Mengão 2 x 0 Vasco, após o vuco-vuco,etc!!rs
Bom, um trabalho prévio legal. Pega o Táctica Moderna do Pachman, vol. I, II e leia às cegas (exceto as partidas que ele dá no final de cada capítulo). Esse é um puta trabalho prévio e dá retorno.
Grande abraço!
Muito bom.
Tem um livro em português,chamado "Como pensar em Xadrez" que também aborda esse assunto em uns de seus tópicos(vale apena conferir).
Sérgio Gonçalves.
Sérgio, em quais páginas do livro é abordado o assunto?
Saudações!
Páginas:111-3.Calculando seus próprios movimento.
115-20. e 123-3.Calculando variantes.
Um abraço.
Sérgio gonçalves.
'e complicado, mais naum 'e impossivel, pois costumo dizer que: O que uma pessoa consegui fazer, todos sao capazes de realizar.
vou trabalhar muito encima disso, para que um dia eu possa voltar aqui e comentar o meu exito
José, achei muito interessante sua proposta de estudo. Creio que realmente permite integrar as funções de memória e abstração necessárias para realizar os cálculos do xadrez. Como feedback posso lhe dizer que consegui visualizar todos os lances. Porém eu os vi de maneira isolada, não consegui integrar cada lance a uma imagem mental de um tabuleiro. Não sabia também o que motivou cada movimento. Porém, não acho que isto seja ruim para mim, talvez seja apenas o início de uma trajetória.
Ouvi falar num livro muito bom do Kotov que aborda o tema
o nome do livro é pense como um grande mestre
eu estou praticando sua proposta de analizar partidas mentalmente
estou notando um desenvolvimento melhor em meus calculos
vc nao teria mais algo a postar sobre calculos?
Olá Maia,
Conheço um curso, creio que se chama "chess visualization course" que trabalha exatamente do cálculo dessas situações que você expõe.
Acho interessante procurar pelo mesmo, acho que ainda o tenho no formado .pdf.
minha cabeça focaliza as peças de modo confuso, não consigo calcular tantas jogadas.
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