1) Você foi Campeão Carioca Juvenil em 1980. Desde então não tem participado de competições que não sejam o solucionismo. O que houve?
Na verdade foi uma conjunção de fatores que me afastaram do xadrez competitivo, de um lado a faculdade e estágio tomaram boa parte do meu tempo a partir de 1981 e não permitiam que me dedicasse ao xadrez da forma que gostaria. Nos tempos de científico eu saía da aula, almoçava correndo e voava até o Guanabara para esperar o Pedro Alarcón abrir a sala às 3h da tarde e ficava por lá até o salão fechar. Por outro lado o meu interesse por estudos e composições aumentou pela influência simultânea do querido Felix Sonnenfeld (que eu conheci durante o Interzonal do Rio de Janeiro) que me estimulava a resolver e compor problemas e do MI Luis Bronstein que me permitiu acompanhar sua prática quase diária de solução de estudos no Clube de Xadrez Guanabara.
2) Conte-me sua história com o solucionismo. Como começou, principais feitos, viagens,etc.
O solucionismo foi possivelmente onde pude expressar um talento natural. Comecei a jogar xadrez aos 17 anos na praia do Leblon, de onde o saudoso Carlos Emery Trindade, do Flamengo, costumava arregimentar jogadores para formar suas equipes de base. Naquela época participei de um concurso de soluções do Mangini e me classifiquei para a final ao vivo, que foi no Tijuca Tenis Clube. A final foi vencida por um sujeito alto e magro, com biotipo de jogador de basquete, ninguém menos que o MF Alberto Mascarenhas! Neste ano eu fiquei entre os últimos colocados. No ano seguinte participei outra vez e me classifiquei para a final de novo, que se não me engano foi na AABB-Tijuca, e desta vez tive um desempenho melhor, ganhando a competição. Mais tarde, depois de ter conhecido o Felix Sonnenfeld no Interzonal do Rio de Janeiro, participei hors concurs da final do Campeonato Brasileiro de Soluções de 1984 com 100% de aproveitamento me colocando à frente do campeão daquele ano, o grande compositor Oswaldo Farias. Também participei e venci um concurso de soluções do Ronald Camara e um concurso internacional realizado pela revista canadense "Canadian Chess Chat".
Mais tarde venci o Campeonato Carioca de Soluções de 1987, tendo empatado em primeiro e segundo lugar com Sergio Milward porém este não pode participar da final ao vivo. O carioca foi organizado durante a gestão de Reynaldo Veloso na FEXERJ e teve direção técnica de Felix Sonnenfeld e organização de Dijalma B. Caiaffa. Finalmente ganhei em 1990 o Campeonado Brasileiro de Soluções.
Depois disto, por razões pessoais, abandonei por completo as competições de solução de problemas por mais de 10 anos. Voltei a competir em 2002 como resultado de um convite de um velho amigo de adolescência. Leonardo Mano, que na época estava apoiando a organização do CBS, me chamou para participar do Campeonato Brasileiro. Por "culpa" do Mano voltei às competições de soluções tendo desde então vencido os brasileiros de 2002, 2005 e 2008. Em um trabalho conjunto com o atual presidente da UBP, o mesmo Leonardo Mano, passamos a realizar o Campeonato Brasileiro de Soluções anualmente a partir de 2008, e não mais de tres em tres anos como era antes, e estamos aproximando o formato da final ao vivo do CBS aos padrões dos campeonatos mundiais.
Em competições internacionais participei dos mundiais e opens de 2007 e 2008, dos ISCs (International Solving Contest) de 2007, 2008 e 2009.
Durante os mundias de 2007, em Rodes, e 2008, em Jürmala, fui delegado do Brasil no congresso da PCCC da FIDE (Comissão Permanente para a Composição de Xadrez), retomando um posto que foi ocupado pela última vez pelo saudoso Caetano Belliboni..
No momento tenho uma norma de Mestre FIDE de soluções de problemas e 2319 de rating de soluções. As metas a curto prazo são conseguir a segunda e definitiva norma de MF, subir o rating de soluções para acima de 2400 e buscar as normas de MI e GM.
3) Como um jogador interessado no solucionismo pode se desenvolver, se preparar? há algum método de preparação/estudo?
O solucionismo é uma atividade difícil porque envolve tipos diversos de composições de problemas e requer uma combinação equilibrada de talento, conhecimento, prática e agilidade mental. Em geral são necessários vários anos para que um solucionista amadureça a ponto de competir internacionalmente porém não é difícil para um jogador de xadrez competir a nível nacional.
O primeiro passo é quebrar a barreira do preconceito em relação a estudos e finais. Depois começar a resolver diretos (mates em 2, 3 e mais lances) e mais tarde se aproximar das modalidade que são mais difíceis para o jogador prático, os inversos e ajudados.
Concordo com a visão de Yohanan Afek de que o estudos de xadrez formam a melhor ponte para que o jogador prático, seja ele amador ou profissional, ganhe interesse pela solução de problemas.
O segundo estágio para o solucionista é estudar e resolver problemas dos formados usados nos mundiais (diretos, estudos, inversos e ajudados). Recomendo para iniciantes e interessados o livro Solving in Style do bicampeão mundial John Nunn (que é GM FIDE e de soluções de problemas). Por fim, é essencial manter-se ativo, estudando, resolvendo problemas e principalmente, competindo. É só pela atividade competitiva que é possível melhorar a performance.
Atualmente são raros os dias em que não resolvo problemas ou vejo algo novo.
4) Como está a prática do solucionismo no Brasil? Qual o papel do ISC (International Solving Contest) para difundir a modalidade? Seria interessante termos aqui no Brasil competições de solucionismo paralelas aos torneios?
O solucionismo no Brasil está passando por uma fase de transição, quando estamos saindo de um modelo antiquado de competições por correio ou à distância para competições ao vivo e com nível de dificuldade cada vez mais alto. Esta transição estará completa quando a final do campeonato brasileiro for tão difícil quanto um Open mundial (que é o campeonato aberto realizado um dia antes dos campeonatos mundiais).
Neste sentido o ISC é essencial para a democratização e popularização da atividade de solução de problemas porque permite reunir em uma única competição participantes de todo o mundo a custo baixo para todos. Afinal de contas quais são as modalidades esportivas que permitem o mesmo modelo de competição ?
Realizar competições de soluções em paralelo às competições nacionais é um sonho antigo e creio ser possível porém ainda é necessário quebrar algumas barreiras aqui no Brasil.
A competição realizada em paralelo ao Corus 2009 em Wijk aan Zee e que teve cobertura do Chessbase confirma que este é o caminho a seguir.
5) Quais são seus objetivos e metas como solucionista?
A primeira meta é obter a segunda norma de MF e depois buscar títulos de MI e GM. A maior dificuldade que tenho é que participo apenas de duas ou tres competições de nível mundial por ano, o ISC, o Open e o Mundial, sendo que em estes dois últimos o faço em paralelo à função de delegado do Brasil no congresso da PCCC.
Um projeto que tenho é passar pelo menos uma temporada na Europa competindo em vários eventos internacionais em um curto intervalo de tempo. Competir é essencial para melhorar a performance.
6) Há uma variedade de blogs sobre xadrez aqui no Rio de Janeiro. Qual a sua opinião sobre a importância deste fato?
Sou totalmente a favor dos blogs como forma de expressão individual e de divulgação de informações. Se nas décadas de 70 e 80 tínhamos apenas umas poucas colunas de xadrez nos jornais brasileiros hoje temos dezenas de blogs com muita informação de alto nível e discussão de temas variados, desde xadrez, composições e, é claro, política.
7) Fique à vontade agora para dar sua última mensagem aos leitores deste blog.
Em primeiro lugar queria agradecer a honra de ter sido convidado a dar esta entrevista, é muito bom estar lado a lado com os outros entrevistados do seu blog. Gosto muito do Maiakovsky e sou visitante frequente desde o seu lançamento, embora não tenha tido muito tempo para comentar nos últimos meses por intensos compromissos profissionais. O grande valor que vejo aqui é a honestidade e autenticidade das suas opiniões agregados ao amplo espectro de temas que você aborda. O seu trabalho é uma grande contribuição ao xadrez carioca e nacional.
Um comentário:
Parabéns ao Stelling pela bela entrevista e ao Maiakowsky por essa iniciativa inédita. O entrevistado é, sem dúvida, o melhor solucionista brasileiro de todos os tempos. Herdeiro legítimo de Felix Sonnenfeld, também faz análises "post-morten" com incrível sagacidade (como atestam os melhores jogadores do RJ). Stelling, sem dúvida, seria um ótimo jogador de xadrez e nos brindaria com partidas muito criativas.
Um único reparo: Oswaldo Faria é singular (em todos os sentidos) e não possui o "s" como foi grafado na entrevista.
Leo Mano
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