SEGUE NOVO TEXTO DO PROF. ALFREDO SANTOS. BOA LEITURA! AGUARDO MUITOS COMENTÁRIOS.
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Falando sério (mas com pitadas de galhofa)
Ah xadrez do jeito que suncê tá
Alfredo Pereira dos Santos
Não é de hoje que eu venho me manifestando contra a maneira pela qual algumas pessoas fazem a apologia do jogo de xadrez. E isso por uma razão muito simples: trata-se de um discurso inócuo. É, mal comparando, como aquela história do técnico de futebol que, antes de um jogo, dizia para a equipe o que eles iriam fazer para vencer o adversário. E do jeito que ele falava parecia que tudo seria moleza, o que levou o Garrincha (que dispensa apresentações) a lhe fazer a seguinte pergunta: “Mas, nos já combinamos isso com eles, com o adversário?”
Naturalmente que não estamos aqui nos referindo a adversários, mas seria bem o caso de combinar antes com os jovens, com seus pais, com dirigentes de escolas e de clubes, a quem pretendemos levar o xadrez, o seguinte: que eles vão aceitar de bom grado esse jogo maravilhoso que vai ajudá-los a “resgatar” a sua auto-estima, que vai ajuda-los a melhorar a sua capacidade de concentração, as suas notas escolares, a desenvolver a sua inteligência e operar grandes transformações em sua vida.
Posso estar enganado, mas esse discurso me cheira a idealismo. Estão dourando muito a pílula e o povo, desconfiado como é, vai achar que estão “gastando cera com mau defunto”.
Eu sempre disse que a principal justificativa para alguém jogar xadrez é a vontade e o gosto de fazê-lo. Quando aprendi o jogo, há mais de cinqüenta anos, não estava preocupado com questões de “auto-estima” (eu não fazia a menor idéia do que fosse isso) nem estava esperando, através dele, obter resultados espetaculares em português, matemática ou em qualquer outra disciplina. Pode ser que o xadrez tenha me ajudado. Pode ser que não. Mas isso não teve, para mim, a menor importância. Eu simplesmente vi o tabuleiro e as peças na casa de um amigo, tive curiosidade, pedi a ele que me ensinasse e foi só isso. Depois disso sai jogando pela vida a fora. Gostava de jogar e isso me bastava.
Eu pergunto a qualquer um dos meus eventuais leitores se eles tentariam vender geladeiras a esquimós. Certamente que não, é claro, pois geladeiras não atendem aos anseios daquela gente, não fazem falta e ninguém iria comprá-las. Da mesma forma, se o entendimento das pessoas não for no sentido de que o jogo de xadrez possa ter um papel importante em suas vidas e de que vai preencher algum tipo de necessidade, não vai ter publicidade e marketing que dê jeito.
O aprendizado de qualquer coisa depende de vários fatores, entre eles a necessidade e o afeto. Pense no seguinte: Alguém chega para você e lhe fala maravilhas do sânscrito e acha que você deve aprendê-lo. Você gosta da pessoa que fez a sugestão e a idéia de aprender uma língua lhe agrada. Só que você está se preparando para o vestibular, onde não vão lhe perguntar nada de sânscrito, ou vai fazer um concurso público, onde a língua que vai ser exigida é a portuguesa. Então, seja franco: você vai aprender sânscrito?
E tem mais: não basta querer aprender, é preciso saber se a pessoa pode aprender. Tem gente em cuja cabeça a matemática, depois de um certo tempo, não entra de jeito nenhum. O mesmo ocorre com o xadrez. E isso independe da qualidade do professor e da excelência dos curricula. Mas isso não significa dizer que se deva usar “professores” improvisados e que os curricula sejam deficientes ou inexistentes.
Nesse ponto quero deixar bem claro que não sou contra o xadrez nem contra o seu ensino nas escolas e clubes e muito menos contra as iniciativas que visem torna-lo mais popular. O que não gosto é essa idéia de que o xadrez é panacéia. Eu sempre que posso o divulgo e já perdi a conta da quantidade de pessoas que ensinei a jogar e, não raras vezes, pergunto, como provocação, a alguns amigos: “quantas pessoas VOCÊ já ensinou a jogar?”. As respostas, em geral, foram desalentadoras. Mas devo reconhecer que, para cada pessoa que se interessou pelo jogo, um número muito maior o ignorou solenemente. Em qualquer lugar do mundo deve ser assim, mas aqui a proporção é surpreendente.
O gosto que eu tenho quando vejo uma criança jogando xadrez é que, naquele momento, ela não está em frente a um aparelho de TV. Eu não sei o quanto o xadrez pode ajudar uma criança (eu acho que ajuda), mas a televisão eu tenho certeza que faz mal. Por outro lado, sendo eu um leitor de textos psicanalíticos, me arrisco a dizer que fortes argumentos em favor do xadrez, e que nunca vi mencionados, podem ser encontrados no livro do doutor Bruno Bettelheim, UMA VIDA PARA O SEU FILHO – PAIS BONS O BASTANTE, onde já no primeiro capítulo se faz referência ao jogo, bem como em três páginas do capítulo 19, num parágrafo que se inicia com o título O REAL JOGO DE XADREZ (falo da edição de 1988, Editora Campus, página 208, que é a que eu tenho).
O xadrez é um jogo e muitos grandes educadores falaram da importância do jogo na vida da criança. Piaget dedicou um livro inteiro ao tema, tendo ele o classificado em três categorias: os jogos sensórios-motores, os jogos simbólicos e os jogos de regras. É nessa última categoria que se enquadra o xadrez, que ele dizia ser “a atividade lúdica do ser socializado”.
Só que esse tipo de argumentação psicológica não sensibiliza todo mundo e há quem seja refratário e até hostil a ele. Um psicanalista conhecido meu, quando falava das dificuldades de se usar a psicanálise com pessoas de pouca instrução e cultura, concluía dizendo que, para tais pessoas, talvez o que ajudasse fosse uma visita ao Pai de Santo, um bom banho de descarrego ou um despacho na encruzilhada.
Então, eu acho que mesmo esse discurso de conteúdo psicanalítico, por mais bem fundamentado que possa ser, não vai colar, a não ser com uma minoria de pessoas. Com as exceções de praxe, é claro.
Então, com todo o meu agnosticismo, e enveredando pelo terreno da galhofa, eu peço aos dirigentes do xadrez que querem atingir as camadas mais populares, que abandonem o discurso idealista e apelem para Xangô (podendo apelar também para outras entidades), para ver se ele abre os caminhos do jogo. Talvez ao xadrez se aplique o que diz a letra da música de Edenal Rodrigues, dos anos 70, cantada pelo Noriel Vilela:
Ah mô fio do jeito que suncê tá
Só o ôme é que pode ti ajudá
Ah mô fio do jeito que suncê tá
Só o ôme é que pode ti ajudá
Suncê compra um garrafa de marafo
Marafo que eu vai dizê o nome
Meia noite suncê na incruziada
Distampa a garrafa e chama o ôme
O galo vai cantá suncê escuta
Rêia tudo no chão que tá na hora
E se guáda noturno vem chegando
Suncê óia pa ele que ele vai andando
Ah mô fio do jeito que suncê tá
...
...
Quem sabe se não dá certo? Mas como é bom dar uma no cravo e outra na ferradura, um pedido ao Bispo Edir Macedo não cairia mal.
Rio de Janeiro, 30 de junho de 2008
2 comentários:
Caríssimos Alfredo e Maia,
é sempre bom ler os textos inteligentes e recheados de humor do Alfredo Santos. Venho aqui dar um pequeno testemunho embasado na minha experiência profissional. Leciono a mais de dez anos xadrez dentro da grade curricular em alguns colégios, sendo que na maioria é atividade extra. Por ano tenho uma média de quinhentos alunos, o que, em contas grosseiras, daria pra afirmar que já ensinei mais de cinco mil crianças a jogar xadrez. Em todo esse tempo apenas uma, disse uma criança, e apenas essa mostrou alguma rejeição inicial ao aprendizado do jogo. Pode parecer estatística maquiada com o propósito de elevar o xadrez ao olimpo dos melhores e maiores jogos infantis. Mas não é. Uma verdade que, ao que me parece, é simples de explicar: nenhuma criança vai ser entusiasta do xadrez se não for apresentado ao nobre jogo. E rapidamente os pequenos são conquistados pela arte de Caissa já que nele encontram elementos lúdicos, conhecidos do universo próximo a eles como reis, rainhas, castelos e suas torres, cavalos e cavaleiros, soldados (peões). A única peça que causa estranheza nelas é o Bispo e por isso mesmo a última que memorizam o nome (durante um tempo chamam-na de 'bisco').
Essa familiaridade entre as peças e os personagens das fábulas de La Fontaine, Perrault, Irmãos Grimm e outros fabulistas aproximam os dois vértices da minha dissertação. E assim tenho visto ao longo dos anos.
Espero que meu testemunho sirva para algum esclarecimento de como o xadrez e a criança têm relação muito próximas desde que, é óbvio, o primeiro seja apresentado a segunda.
Brilhante o texto, como de praxe!
A obrigatoriedade do ensino do xadrez nas escolas é um caminho enviezado para uma disciplina que sequer conseque ser classificada de esportiva. Como muitos eu também adoraria ver o xadrez nas Olimpíadas e Jogos Panamericanos mas ainda estamos longe de ver o momento em que um jogo de tabuleiro possa ser considerado prática esportiva!
Por que o jogo de damas não pode ser obrigatório ? E por que não o tenis, que tanto enriquece os seus praticantes ? Que tal a obrigatoriedade do ensino da ética (e da prática???) ?
Confesso que estaria mais satisfeito com um plano desportivo holístico nas escolas, com fortes Jogos Estudantis e calendário de competições escolares. Com competições incluindo xadrez, basquete, futebol, volei, atletismo, dança, matemática e tudo o mais que possa contribuir coletivamente para a formação de bons cidadãos. Sem este segundo viés o desporto estudantil, que é um passo essencial para a formação de um país de cultura desportiva, não tem como sobreviver, por mais obrigatória que seja uma disciplina em particular.
A obrigatoriedade do xadrez nas escolas vai dar certo ?
Adoraria mas temo que não, do jeito que "suncê tá, nem o ôme pode ajudá". E o que não falta é "suncê" nesta estória!
Abraços,
Stelling
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