quinta-feira, 24 de julho de 2008

58- Futebol, Remo e.......Xadrez!!

Remo, futebol e (quem sabe, um dia) xadrez

Alfredo Pereira dos Santos


Vocês podem não acreditar, mas o fato é que o futebol, para se tornar o Rei dos Esportes no Brasil, teve antes que destronar o remo. A imprensa sempre se fazia presente em qualquer regatazinha, enquanto que, no futebol, a ausência de fotógrafos e repórteres era coisa normal (1).

Marcar um jogo de futebol para um dia de regata era besteira, pois o fracasso seria certo. O remo era considerado o esporte másculo por excelência. Esporte para homem. Do futebol dizia-se que “tinha uma delicadeza de balé” que, no Brasil, para muita gente, é coisa de fresco, “jogadores correndo atrás de uma bola, levantando a perna, dando saltinhos” (2).

É possível ver, em fotos tiradas no início do século passado, que o remo era, realmente, muito popular. No Rio de Janeiro não havia praia que não tivesse a turma da regata. O Flamengo foi fundado em 1895, não como clube de futebol, mas sim como clube de regatas. Aliás, essa presença do remo pode ser vista em muitos nomes de clubes pelo Brasil a fora. Para ficar só no Rio de Janeiro, além do Clube de Regatas do Flamengo, já citado, podemos mencionar Botafogo de Futebol e Regatas e Clube de Regatas Vasco da Gama.

Antes que o Charles Miller retornasse ao Brasil, com a bola de futebol e com as regras do jogo, o remo já estava aqui, trazido por alemães e italianos. Então, quem tinha tradição era o remo. E quando alguns clubes começaram a introduzir o futebol este foi objeto de oposição e protestos da turma do remo, que achavam que futebol nada tinha a ver com as origens náuticas dos clubes. A sociedade carioca não via o futebol com entusiasmo.

Por razões que a mim faltam o engenho e a arte para explicar, o futebol foi, aos poucos, tendo a sua imagem modificada, passando a ser a do futebol-força, da virilidade física dos jogadores disputando a posse da bola. E o que era considerado “passo de balé” passou a ser tratado, sobretudo pela imprensa, como “lance viril”.

Eu não sei se a crescente popularidade do futebol levou a imprensa a se interessar por ele ou se o enorme destaque que a imprensa dá ao esporte o transformou no que ele é hoje. Ou seriam as duas coisas atuando reciprocamente, interagindo entre si? Deixo essa questão a cargo dos estudiosos da sociologia do futebol – creio até que já existam estudos sobre isso – convidando os meus leitores a aventarem hipóteses sobre o tema. O que eu sei é que o futebol penetrou tanto na alma e no coração do povo brasileiro que se transformou num fenômeno lingüístico. Hoje é comum ouvir-se expressões, que tiveram origem no jogo, empregadas em contextos totalmente alheios ao futebol. Exemplos:

Pisou na bola, significando fazer coisa errada, deixar furo.
Bateu na trave, quase conseguir um objetivo.
Bola pra frente, não desistir, continuar.
Ficar fora da jogada, não ser incluído em alguma coisa.
Entrar de sola, agir agressivamente.
Tirar o time de campo, desistir, ir embora.

Ademais, expressões comuns no futebol passaram a ser usadas em novelas e em publicidade (3).

Além disso o futebol passou a ser meio de afirmação nacional, além de meio de afirmação do negro e do branco de poucas posses. De esporte, passou a ser também, meio de vida. Milhares de pessoas dependem dele.

Como se não bastasse, o futebol não só constitui a válvula de escape das camadas populares, mas também de intelectuais e homens de negócios que se apaixonam por esse esporte e estão sujeitos a uma mesma seqüência emotiva: excitação, sensação, alegria, e isso repetidas vezes (4).

Existe também no futebol uma clara conotação sexual, manifesta em expressões como “véu da noiva”, referindo-se à rede. E encontrar o caminho da rede é o grande objetivo. É na feitura do gol, conclusão do ato da posse da bola, que se manifesta a satisfação completa. É um ato de penetração. Notem a expressão “entrou com bola e tudo”.

Interessaria, pois, aos adeptos do xadrez, saber como seria possível fazer entrar o seu jogo predileto nos corações e almas dos brasileiros.

A gente sabe que existem lutas que são desiguais. De cara a gente sabe que o xadrez não tem como representar, para o povo brasileiro, o mesmo que representa o futebol. As motivações inconscientes que levam um homem a jogar xadrez não são as mesmas que o levam a jogar futebol. Enfiar uma bola numa rede é coisa bem distinta do que dar xeque-mate, que significa “Morte ao Rei”. E esse Rei pode ser perfeitamente a imagem do pai. Os pesquisadores da Clínica Tavistock, de Londres, dizem que “O xadrez é um assassinato planejado”.

Xadrez e futebol devem, pois, transitar em espaços distintos. Eles não se excluem, mutuamente. Então não seria o caso de fazer acontecer o que aconteceu com o futebol em relação ao remo, de um desbancar o outro. Naturalmente que o futebol, ao destronar o remo, não o fez por maldade. Simplesmente ocorreu o fenômeno e gente do remo está fazendo pesquisa para saber o porquê desse esporte hoje ter tão pouca divulgação no Brasil.

Numa enquête realizada (5) eles pedem as pessoas que selecionem uma das seguintes hipóteses:

1) Porque falta apoio das empresas, do governo e da mídia; sem isso, não podemos cobrar nada.

2) É um esporte elitista, que não possibilita a grande parte do público praticar.

3) É o tipo de esporte que não atrai as massas; quem é que vai querer ver uma competição dessas?

4) Porque o Brasil jamais teve um atleta de nível internacional; no dia em que isso acontecer, haverá a divulgação.

5) Quem disse que remo tem pouca divulgação no Brasil? E essa página aqui, o que é?

Mais de 60 por cento dos que responderam optaram pela primeira alternativa. O que responderiam os nosso jogadores de xadrez se fossem responder à mesma enquête, substituindo, naturalmente, remo por xadrez? Fica a sugestão da pesquisa.

Para mim o sucesso do futebol aconteceu porque ele saiu dos clubes fechados da elite e chegou ao povão. E passou a ser jogado em campos de várzea. Um pedaço de terra, dois pedaços de pau, com uma travessa por cima, fincados no chão, uma bola de meia e pronto. Foi assim que o Pelé começou. (6)

Foi dito, anteriormente, que antigamente toda praia tinha a sua turma da regata. Então seria preciso também que toda a praia e toda praça tivesse a sua turma do xadrez. Só que os enxadristas insistem em jogar em suas casas e em seus clubes fechados. Sei, de ver e ouvir dizer, que muitos pais não gostam de ver seus filhos enfurnados em salas de xadrez. Preferem-nos vê-los ao ar livre, correndo e brincando, nos parques, nas praias e nas piscinas. Que tal se colocássemos, próximo a essas, mesas de xadrez?

O primeiro grande craque brasileiro de futebol não saiu dos clubes de elite. Era filho de um alemão com uma negra. Refiro-me ao grande Arthur Friedenreich (7). Arthur era mulato e teve dificuldades para jogar nos clubes da idiota elite branca racista. Mas ele se impôs pelo seu grande talento e conquistou o seu lugar.

Desse modo, com a participação do povão, o futebol não só melhorou de nível como passou a atrair a atenção da imprensa e da sociedade em geral. Eu tenho certeza de que com o xadrez também vai ser assim. Sem o povão não tem solução. O xadrez vai ficar nessa lengalenga, nesse vai-não-vai, andando a passos de cágado (felizmente, com a reforma ortográfica, as palavras proparoxítonas vão continuar sendo acentuadas, caso contrário eu não sei como a coisa iria ficar).

Pelo exposto, seria de bom alvitre que os responsáveis pelo xadrez deixassem de tergiversações, de leguleios, de embromações e procurassem motivar os enxadristas a irem para as ruas. Xadrez na escola é bom, mas é muito mais fácil levá-lo para as praças. Ou será que se esqueceram do que disse Castro Alves: “A praça é do povo, como o céu é do condor”?

Clauzewitz disse, certa vez, que “A guerra é assunto importante demais para ficar apenas à cargo dos generais”. Parafraseando-o, eu diria que “O xadrez é importante demais para ficar apenas nas mãos daqueles que o administram”. Sinergia é fundamental e com o xadrez não seria exceção. Então é preciso que os enxadristas comecem a dar tratos à bola e botem a imaginação criadora para funcionar, para ver se as coisas mudam. Que não fiquem dependentes de dirigentes e de federações. O xadrez é maior do que tudo isso.

Por enquanto a única expressão do xadrez com trânsito na mídia é xeque-mate. Por exemplo, “A Polícia Federal deu um xeque-mate em Daniel Dantas”. No dia em que expressões como “A sua impetuosidade entrou como uma Torre na sétima fila da minha sensibilidade” forem comuns em diálogos das moças com os seus namorados eu vou começar a achar que o tempo do xadrez está chegando. Vocês acham que eu estou brincando? Pois fiquem sabendo que na Idade Média, quando o xadrez era bastante popular, ele era usado em alegorias conhecidas como “moralidades”, que tentavam estabelecer paralelos entre a organização da vida e o jogo de xadrez. O movimento da Torre, por exemplo, era assim descrito: “A Torre representa os juízes itinerantes que
viajam por todo o reino e seu movimento é sempre reto, porque o juiz deve tratar com justiça”. É claro que no Brasil os juízes nem sempre são como essas Torres medievais. Alguém tem dúvidas quanto a isso?

Rio de Janeiro, 16 de junho de 2008

NOTAS

1) Mario Filho. O Negro no futebol brasileiro.
2) Ibidem.
3) Maria do Carmo Fernández. Futebol – Fenômeno Lingüístico.
4) Ibidem.
5) http://cgi2.uol.com.br/cgi-bin/urnavirt/urna2.cgi?urna=olim04
6) José Castello. Pelé – Os dez corações do Rei.
7) http://www.futebolamadordeminas.com/craque14.htm

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