sábado, 31 de outubro de 2009

409- Reflexões sobre o Ensino de Xadrez

Imagem 1- O tabuleiro vazio! onde devemos começar!

Imagem 2- O Jogo dos Peões


Bem, estamos vivendo uma onda de expectativas sobre o xadrez escolar. Foi criada até uma comissão do poder público brasileiro para se pensar o assunto e na FIDE a matéria já é debatida há algum tempo. Em termos de Rio de Janeiro temos inúmeras (a maioria muito boas) atividades de ensino do xadrez mas com um pecado comum: são dispersas, sem integração, troca de informações, debates,etc. É cada um por si (pela lei dura da sobrevivência dos que vivem de xadrez) em função do completo desinteresse de quem teria a competência e autoridade de integrar estas produções esparsas em nosso estado do RJ. Quem amasse xadrez de verdade faria um Programa Integrado de Xadrez Escolar, independente das afinidades políticas. Na ausência de um pólo integrador, cabem às próprias forças produtivas do ensino de xadrez no RJ a tarefa dura de reunirem-se.
Mas resolvi mesmo é abordar a forma como se ensina xadrez. É opinião de um aprendiz na matéria. Dei pouquíssimas aulas mas as que dei me deram uma convicção que mantenho até hoje. A experiência de ministrar aulas no Projeto Cuca Esperta há uns 20 anos na escola República do Peru, no Méier forneceu as minhas bases que venho confrontando ao longo do tempo com a pesquisa de materiais "teóricos" (cartilhas, projetos, textos pedagógicos,etc) que caem nas minhas mãos ou leio na internet. Imaginem alunos da rede pública, carentes, que só queriam saber de jogar bola e ping-pong, recebendo um cara baixinho e deficiente físico que estava lá para ensinar xadrez!!! Bom, primeira medida experimental que tomei: joguei fora a tal cartilha do projeto!! com aquele material não se iria a lugar nenhum! Li no blog Pílulas de Reflexão uma citação do nosso querido e brilhante Dirceu Viana que concordo plenamente: "As ações dos governos (em todos os níveis) necessariamente envolvem a confecção de cartilhas e a compra de kits escolares. O Brasil deve ser o país com o maior número de cartilhas do mundo. Em volume e variedade. Aí há espaço para tudo, inclusive para jogar dinheiro fora.
"Esses programas chapas-brancas começam e acabam antes mesmos do aluno descobrir que o cavalo anda em 'L' ou quem foi Rui Lopez.
"Minha solução? Valorizem os professores, dêem bolsas e programas de aprimoramento. Eles são os únicos que sobram quando o governante muda de nome e a torneira do dinheiro oficial se fecha." Tenho muitas cartilhas e todas são mais do mesmo. Só as seguem rigidamente quem for professor de educação física ou não ter previamente um contato suficiente com o xadrez!!Têm o mesmo pecado capital inclusive de muitos projetos de "pedagogos renomados do xadrez" que leio por aí: o rígido binômio, professor só ensina, aluno só aprende! as regras do xadrez são essas e pronto!
Na minha experiência escolar supra citada intuí (palavra exata pois era completamente desprovido de conhecimentos pedagógicos e, inclusive, experiência de vida) que, a priori, o xadrez e suas regras deveriam se adaptar à realidade do público-alvo e não o inverso! podemos transgredir algumas regras de forma a captar os conhecimentos, vivências, experiências do público-alvo? claro que sim!! o professor aprende e o aluno ensina também! Aquela intuição e os ensinamentos de um filme chamado Conrack (recomendo muito que assistam a esse filme! ideológico, lírico, lindo, cena final arrebatadora!) norteiam ainda hoje minha própria teoria de ensinar xadrez, aliás, ensinar qualquer coisa!!
Há uma profusão de afirmações sobre os benefícios pedagógicos do xadrez: aprimora a concentração, a disciplina, ajuda na matemática,etc,etc,etc! isto é correto? creio que sim desde que os ensinamentos sobre o próprio jogo sejam os adequados, o método de ensino seja adequado para o público-alvo específico. Ter pressa na execução de um método padrão (ensinar o movimento das peças, a posição inicial, os movimentos especiais, jogar uma partida, mate pastor, opa, já cumprimos nossa missão!!) é comprometer a consecução dos benefícios citados acima. Ensinar mal é não chegar a benefício algum! Ensinar a jogar uma partida de xadrez, com todas as suas regras, não é um fim em si mesmo que vá beneficiar necessariamente um grupo determinado de alunos!
Creio que se deve começar a ensinar mostrando bem o campo de batalha, o espaço por onde o aluno vai se desenvolver, ou seja, o tabuleiro vazio! Isto serve tanto para se iniciar um processo de trocas cognitivas entre aluno-professor como serve também para uma primeira verificação do "talento" do aluno para o jogo. Exercícios constantes de visualização do tabuleiro de xadrez são vitais para quaisquer alunos, mais ainda para aqueles escolhidos (e que quiserem, claro) a seguir para o xadrez de competição.
Para o ensino do movimento das peças, deve-se fixar bem as propriedades de cada unidade de batalha. Devemos ser criativos, bolar, dentro do ensino, jogos próprios para cada peça (mesmo infringindo as "regras normais"!). O aluno antes de jogar uma "partida completa" deve jogar vários jogos com peças isoladas (há tempo e habilidade do professor para isso, ainda mais com essas cartilhas por aí?). Eu já fazia isso lá na República do Peru mas alguns anos descobri um livro que reforçou minhas crenças e, inclusive, é meu parâmetro hoje. São os volumes I e II do Comprehensive Chess Course do Roman Pelts e Lev Alburt. Na imagem 2 lá em cima vemos a posição inicial (transgride as "regras" porque não tem os reis) de um dos jogos que o método do livro citado recomenda. Esses jogos têm suas regras próprias, vou explicitar a desse jogo dos peões (Comprehensive Chess Course, vol I, páginas 27 e 28):
Você ganha a partida:
a) se seu oponente desiste;
b) se você é o primeiro a capturar todos os peões do oponente; ou
c) se você é o primeiro a chegar na última fila (primeira fila do oponente) com um dos seus peões; ou
d) se a jogada é do seu oponente mas todos os peões dele estão bloqueados e você pode fazer ainda uma jogada com um de seus peões.
A partida está empatada:
a) se os jogadores concordarem com o empate; ou
b) se os peões estiverem bloqueados de forma que nenhum dos jogadores possa fazer jogadas com os peões.

Somente antes de iniciar a partida dos peões, o livro ensina a "Regra de Ouro" do xadrez, conhecimento imprescindível que todo principiante deve ter:
"Antes de iniciar , lembre de uma importante regra: se você toca uma das suas peças na sua vez de jogar, você deve jogar com ela. Se você toca uma das peças do oponente na sua vez de jogar, você deve capturá-la, se puder. E é claro, uma vez que você faça uma jogada, não pode mudá-la. Tenha o hábito de jogar a peça que tocar!! Primeiro, pense sua jogada cuidadosamente, então jogue com firmeza e sem hesitação."
==========================================================================
Escreverei mais sobre o assunto daqui para a frente. Agora, peço aos que militam no ensino do xadrez que façam os devidos comentários para que eu possa refletir e aprender com eles. Dedico meu texto ao melhor professor de xadrez que conheci: Silvio Luiz Teixeira Mendes.

Em tempo: o prof. Élcio Mourão está lançando o mais novo blog de xadrez escolar: É o Xadrez nas Escolas!

Grande abraço, boa semana!!

9 comentários:

Renato Carvalho disse...

Meu amigo, tive a felicidade de ter um professor que me ensinou a ensinar xadrez, o nome é Tufic Derzi que vc conheceu quando trabalhamos no projeto que falou, isto não impediu que desenvolvesse meu próprio método e idéias de aulas interdisciplinares e tudo mais. o que vc acha de fazermos um concurso de programas, projetos, aulas e outras mais com premiação para as escolas e professores a nível nacional. qualquer idéia neste sentido estou dentro ok. um abraço.

Xadrez Opinião disse...

Essa troca de experiências é fundamental para que se consiga afastar o joio do trigo.

No aguardo de novas lições.

O legal da conversa é que vc lança luz e diz ser importante partes relegadas de grandes livros de xadrez que passamos batidos.

Quem leu o volume 1 do Grau ?

Blanco

Maiakowsky, um blog sobre xadrez (e algo mais!) disse...

Caro Renato, claro que lembro do Tufic, uma referência sempre muito elogiada.
Quaisquer projetos ou Concursos que promovam a INTEGRAÇÃO das forças de ensino acho muito interessantes. A quem interessaria e teria condições de organizar? isto decerto seria um exemplo notável de visão de futuro!

Caro Blanco, li o Grau, volume I, um trabalho antigo mas ainda muito bom em qualidade, com um ensino diferenciado (por exemplo os exercícios que indagam todos os lances possíveis em uma posição ).

Obrigado aos dois pelo feedback.

Grande abraço.

Migueis disse...

Maia, bom dia! Apesar de vc não publicar os meus posts, ai vai:
O xadrez escolar deve ser entendido por duas vertentes: 1. xadrez-lazer e 2. xadrez competição. Ora, se nas nossas escolas todos iniciam na ´rimeira vertente e é até desse mod ludico que vamos conseguir trazer alunos inicialmente contrários ao jogo. Como digo aos meus alunos, "se vc quer se tornar um bom enxadrista, procure um clube". A minha idéia inicial é a de fazer o xadrez como o instrumento para tornar pessoas melhores. Se eles quiserem se tornar campeões, procurem um clube. Eu faço isso, desde 1970 e tenho conseguido alguns resultados. Existe, aquie em nosso estado, uma lei estadual, do dep. Marcelo Freixo, que obriga que as escolas da rede estadual tenham o xadrez na grade curricular. Se conseguir, mando o número da lei. Mas, como quase tudo aqui em nossa terra, as leis existem e funcionam apenas quando há interesse politico em se faze-las efetivas. O assunto é profundo e caberia uma discussão mais apropriada e de maior amplitude. Isso poderia vir até mesmo de um clube.
Migueis.

Maiakowsky, um blog sobre xadrez (e algo mais!) disse...

Miguéis,

Obrigado por suas importantes reflexões.

Marco Coutinho disse...

Maia, bem interessante este seu post. Acho que, afim de sensinar qualquer disciplina, cada mestre tem sua própria didática. Já tive excelentes professores de Matemática, cujos métodos de ensino eram diferentes. Acho que é semelhante ao caso que vc conta sobre o colégio República do Peru (sem acento, mestre, rsrsrs). Tive o prazer de oferecer aulas de xadrez, em um convento, onde funcionava uma creche. Só havia meninas de 09 a 14 anos. Apliquei meu próprio método e o resultado foi muito positivo, tendo sido muito elogiado pela Irmã Irene. Foi uma pena que, por motivo de trabalho, só pude atuar lá por três meses e meio. Mas, foi uma das melhores experiências que tive no xadrez.
Parabéns pela matéria!
Marco Coutinho

Maiakowsky, um blog sobre xadrez (e algo mais!) disse...

Marco, seria muito bom que você detalhasse no seu blog sua experiência de ensino de xadrez na creche do convento. Tenho muito interesse em saber e aprender.
Muito obrigado pela correção: geralmente não acentuo oxítonas terminadas em "u" !! :)

Grande abraço!

wagnerovsky disse...

maia, muito boa a sua postagem e suas experiencias e como disse com propiedade o marco cada professor tem um metodo diferente e cabe a ele a saber o momento certo de coloca-lo na pratica no morro da babilonia tenho um grupo de 30 alunos numa turma abaixo de 9 anos e outra turma de adolescentes de até 16 anos com 18 alunos e coloco uma didatica diferente em cada uma das mesmas, adoraria trocar experiencias pedagógicas com outros alunos

Marco Coutinho disse...

Maia, onde eu ensinei xadrez, não tinha a mínima estrutura. Era em uma acanhada sala (não havia espaço), não tinha murais e só havia um tabuleiro e um jogo de peças que eu sempre levo comigo. Consegui no refeitório uma pequena mesa onde coloquei-a no centro desta salinha. Coloquei o tabuleiro e as peças. Neste momento, observei que os olhos das crianças brilhavam. Vocês devem entender que são crianças praticamente marginalizadas na sociedade, que não têm absolutamente nada e ninguém disposto a ajudá-las. O interesse destas crianças é, portanto, imenso, já que elas sabem que tipos de oportunidade não acontecem sempre. Neste primeiro dia, confesso, fiquei um pouco perdido, mas, ao final da aula, as meninas estavam estusiasmadíssimas com o jogo e depois ficou muito fácil. Gostaria de agradecer a quem me deu esta oportunidade, o Prof. Roberto Cintra, da AABB, que me contactou e falou deste lugar.